Nesta segunda-feira faz 40 anos que o homem chegou à Lua. Foi no mesmo dia em que peguei pela primeira vez na mão da Mara, até hoje minha mulher. Não dá para esquecer. O amor desta vez subiu a serra, ao contrário do que se dizia, e casamos três anos depois.
Trabalhava nesta época no Estadão, ainda na rua Major Quedinho, e estava passando férias em Caraguatatuba, na praia Martim de Sá. Lá a descobri andando de bicicleta em frente à casa do amigo Risada, onde estava hospedado, e nunca mais nos largamos.
Na semana anterior, tive que voltar a São Paulo para o enterro de Júlio de Mesquita Filho, o Dr. Julinho, que comandou o Estadão por 42 anos. Deixei um bilhete explicando motivo da minha viagem repentina e aproveitei para declarar meu amor a ela, já que não tinha coragem de fazê-lo pessoalmente.
Na volta, assisti à chegada do homem à Lua na casa dos pais dela, e começamos a namorar.
Eram tempos de guerra do Vietnã, do movimento hippie, do auge da repressão do regime militar no Brasil e o Estadão era o principal jornal brasileiro da época na resistência à censura e à ditadura que ajudara a implantar cinco anos antes.
Dr. Julinho, um liberal clássico apaixonado pelo Brasil à sua moda, era um homem com a formalidade dos tempos antigos, tratado na intimidade da redação por “Deus”, tão acima se situava dos comuns dos mortais.
Em qualquer discussão política, tinha lado, tomava partido, e não escondia de ninguém. Em seu artigo publicado no Estadão do último dia 12, o repórter Roldão Arruda escreveu com precisão que “qualquer tentativa de traçar seu perfil tendo como foco principal o jornalismo tende a ser rasa, incompleta”.
Roldão constata que em tudo o que se escreveu sobre ele e nos textos autobiográficos, “o que chama a atenção é o fato de jamais ter dissociado jornalismo e militância política”.
Talvez inspirado por este clima que dividia o mundo nos tempos da Guerra Fria, também tomei o meu lado na política, mas em sentido contrário ao do jornal, escrevendo e defendendo a ala progressista da Igreja e os movimentos sociais, que o jornal combatia. Nem por isso fui um dia repreendido pelo Dr. Julinho, um liberal de verdade. Respeitava a opinião alheia.
É algo inimaginável na grande imprensa brasileira dos tempos atuais, em que predomina o pensamento único, mas se vende o marketing de apartidarismo, objetividade, isenção e todas aquelas coisas que a gente sabe não serem reais na prática.
Em 1969, era aluno da primeira turma da Escola de Comunicação e Artes da USP, criada dois anos antes, na mesma época em que comecei a trabalhar no Estadão.
Enfrentava duas guerras distintas: no campus da USP, onde os estudantes, genericamente taxados de comunistas, montavam barricadas e ocupavam prédios para protestar contra a ditadura e, no jornal conservador, em que a muitos dos editores ainda apoiavam o regime militar.
Minha namorada era normalista num colégio de freiras, vivia num mundo bem diferente do meu, que se limitava ao trajeto entre sua casa e as aulas. De tradicional família paulistana, recebera uma educação muito rígida dos pais, não podia nem sair comigo à noite, e eu era o oposto.
Filho de imigrantes europeus, perdi o pai aos 12 anos e comecei a trabalhar bem cedo. Minha família eram os colegas mais velhos da redação, alguns dos quais são meus amigos até hoje. Éramos todos jornalistas boemios, como se dizia naquele tempo, gente que fazia a ronda dos bares toda noite.
Quer dizer, formávamos um casal improvável num mundo em ebulição que acabara de invadir a Lua e se matava aqui na terra na defesa de ideais e ideologias absolutamente conflitantes.
Hoje, quando vejo a Mara brincando com dois dos três netos no salão de brinquedos do nosso prédio, enquanto escrevo em plena manhã de domingo, vejo que nada mudou nas nossas vidas, embora o mundo tenha virado de cabeça para baixo, ou para cima, sei lá.
Eu continuo tão apaixonado pelo jornalismo como quando a conheci, a ponto dela sempre dizer que antes de casar sonhou que eu tinha uma amante – a minha profissão. E a Marinha continua, além de trabalhar muito também na sua profissão, cuidando da família toda.
A Lua continua desabitada até hoje depois daquele primeiro passeio e nunca mais pisamos em outros planetas, mas foram muito bons esses 40 anos, apesar de tudo. Não dá para reclamar da vida. Para quem nem chegou a terminar a faculdade, está bom demais.
Em tempo:
Aos leitores que enviaram comentários insinuando qualquer favorecimento pelo fato de minha filha Mariana Kotscho estrear um programa novo, o “Papo de Mãe, em setembro, na TV Brasil (abertura do post de ontem), informo que ela é jornalista há 17 anos, 12 deles como repórter especial da Rede Globo, de onde saiu no ano passado por iniciativa dela para poder cuidar melhor dos filhos.
Foram e serão todos sumariamente deletados. São pessoas que julgam os outros segundo os seus próprios podres parâmetros morais. Não cabem no Balaio. Dispenso a participação deste tipo de gente no meu blog.
Mariana nunca precisou de mim para nada em sua sólida e respeitada carreira de jornalista, que muito me orgulha.
Na disputa política que hoje domina os debates sobre qualquer assunto, cada um pode ter seu lado, mas é preciso aprender a pelo menos respeitar a família dos outros.
Os mais comentados
Os três assuntos mais comentados da semana no Balaio, na Folha e na Veja:
Balaio
Senado em crise: 296
Vexame do São Paulo: 141
Prosa com José Alencar: 123
Folha
Sarney: 172
Foto de Lula com Collor: 123
Artigo de Saulo Ramos: 52
Veja
Longevidade: 43
Senado em crise: 42
José Roberto Arruda: 41
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