Conheça Chieko Aoki, a dama nipo-brasileira dos negócios

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Foto: Luiza Sigulem

São 12h40 de uma tarde de muito calor na cidade de São Paulo. A entrevistada chega com dez minutos de atraso ao Blue Tree Premium da Avenida Faria Lima, pedindo muitas desculpas. Um pedido quase desnecessário, tendo em vista o trânsito e as reuniões de executivos que sempre se alongam. Chieko Aoki, proprietária da Rede Blue Tree Hotels, senta-se à mesa do almoço e pede água quente. A repórter imagina que será sem gelo. Não. É servida uma taça do líquido fervendo. “Faz bem para a digestão”, explica a alinhada e educada senhora.

A conversa segue fluindo harmoniosamente. Ela diz ser vaidosa. Por ser pequenina, compra suas roupas no Japão, onde nasceu e tem um imóvel. Corta o cabelo em um salão pouco conhecido. Por isso, leva “broncas”, no bom sentido, de Celso Kamura, cabeleireiro da presidenta Dilma Rousseff. Sua empregada pinta seus cabelos, quando necessário.

Levanta-se todos os dias muito cedo. Pratica corrida e ginástica com uma personal trainer. Tem um pequeno espaço onde faz suas orações para o marido, John Hiroyoshi Aoki, que faleceu em 2012. Serve o café da manhã a ele, como na tradição oriental. Toma o seu desjejum no carro, dirigido por um motorista. Segue trabalhando até tarde. Quantas horas por dia? “Muitas. Não gosto de falar de horários”, diz a empresária.

Ela começou em hotelaria no Caesar Park, ao lado do marido. Após ele se desfazer do negócio, em 1997, por conta de um derrame, Chieko fundou a Blue Tree Hotels, rede que leva na marca o seu sobrenome – Aoki em português significa “árvore azul”.
O gene nipo-brasileiro permeia a cultura da rede. Do lado japonês, Chieko traz para seu negócio o jeito especial de servir com a alma e a obstinação pela qualidade e pela excelência. Do Brasil, vem a harmonização com o espírito cortês, a alegria e a criatividade.

O investimento médio por apartamento em hotéis de 3 a 4 estrelas é de R$ 140 mil, segundo o Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil. De acordo com o Ministério do Turismo, em estabelecimentos com quatro estrelas, é necessário que o serviço de recepção esteja aberto por 24 horas. Facilidades como manobristas, bar e serviço à la carte no restaurante também são necessárias. O hotel precisa oferecer ainda um mínimo de três serviços “especiais”, como salão de beleza, venda de jornais/revistas, farmácia e baby sitter. Nos quartos, minirrefrigeradores e mesa de trabalho também são exigências.

Estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) classifica a Blue Tree como a terceira maior rede do País. O primeiro e o segundo lugares são da Accor e da Choice, respectivamente.

A Blue Tree tem hoje 23 hotéis no Brasil, totalizando 4.787 apartamentos, em 17 cidades. A rede assinou contratos para administrar, até 2017, outros 13 novos empreendimentos. Seu faturamento neste ano deve atingir R$ 350 milhões. A seguir, os principais trechos da entrevista que Chieko concedeu à Brasileiros.

Brasileiros – A senhora trabalha com hotelaria desde muito jovem. Começou em 1982. O que a motivou a entrar para esse ramo?

Chieko Aok – Meu marido tinha um hotel, o Caesar Park. Depois, comprou a parte do sócio. Fiz cursos em Administração na Sophia University, em Tóquio, e em Administração Hoteleira na Cornell University, nos Estados Unidos. Sempre viajei muito e tinha visão de hotel do ponto de vista do cliente. O Caesar então estava bem, mas precisava melhorar a ocupação. Comecei como diretora de Marketing e Vendas. Fiz umas mudanças. Coloquei um restaurante japonês bonito, renovei o hotel. E conseguimos reposicioná-lo no mercado.

Como aconteceu a decisão de sair do Caesar e montar sua própria rede? Foi em 1996, não?
Sim. Não é que saí do Caesar. Meu marido vendeu a rede, que tinha unidades em São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires. Ele ficou doente, teve um derrame muito sério. Não conseguia mais falar, não andava. Comecei com o Caesar Towers, em 1997. Mudamos o nome para Blue Tree. No início, tínhamos só 12 funcionários em uma unidade. Depois, abrimos outra. As duas primeiras foram em Recife e Porto Alegre. Fiz um processo de mudança muito grande e positiva, porque eu tinha perspectiva do mercado. Sabia que o mercado de hotéis 4 estrelas tinha grande potencial de crescimento. O mercado de 5 estrelas é muito restrito, não é em todo lugar que consegue ser rentável. Naquela época, havia um déficit muito grande de hotéis intermediários.

A senhora tem interesse em fazer expansão internacional?
Tenho, mas não neste momento. A procura no Brasil é maior. Não quero desfocar. Quero consolidar mais minha posição no País. Mesmo porque na Argentina, tínhamos contrato com investidores que haviam se comprometido a fazer melhorias no hotel e demoraram dois anos. Ah, não. Minha paciência não é tão oriental.

A rede tem algumas categorias. Quais são elas?
Temos Park, que são os resorts. Premium, que é um padrão quase 5 estrelas. E o Towers, que opera em cidades onde são os melhores, mas de nível um pouco mais baixo.

Qual é a média de ocupação da rede?
Depende muito da cidade. Mas, em média, 65%, o que é o mesmo percentual do mercado. Estamos muito bem situados.

Qual o faturamento do grupo?
Nossa meta neste ano é de R$ 350 milhões.

Quantos funcionários emprega?
Cerca de 2,3 mil diretos.

Os empresários costumam reclamar da falta de treinamento dos empregados. O grupo oferece cursos?
Temos dois tipos de treinamento: on line e presencial. Levamos isso muito a sério. Os funcionários têm de cumprir horas de estudo. Sou muito focada em treinamento; acompanho e participo dos cursos. E os programas não são só técnicos, mas para a formação do cidadão. O mais importante é o foco na pessoa: educação, gentileza e proatividade. Cada situação demanda uma resposta diferente. Durante a Copa, desenvolvemos o projeto Bola na Rede Blue Trip. Foi um treinamento para cobrir todas as necessidade dos hóspedes. Por exemplo: tínhamos de estar muito atentos ao trânsito durante os jogos, por causa do tempo gasto no deslocamento para os estádios. Reforçamos o conhecimento de línguas dos funcionários. Em Manaus, hospedamos a delegação dos Estados Unidos e da Espanha. Ali, o treinamento foi específico, de cuidados com os jogadores. No andar em que eles estavam, os funcionários tinham de fazer o mínimo de barulho possível. A hora do café da manhã também era especial, com reservas, e estivemos atentos à dieta dos atletas.

Qual foi o legado da Copa? A senhora se endividou ou tomou recursos emprestados do BNDES para fazer reformas dos hotéis ou expansão?
Não me endividei. Sempre lanço mão de recursos próprios. Quanto ao legado, antes de qualquer evento, todos os países prestam atenção em quem vai sediá-lo. O lugar fica em evidência. Eu mesma, viajando a negócios pouco antes, era abordada: “Ah, vai ter Copa no Brasil!”. Houve uma grande exposição do País antes dos jogos. Durante o evento, alguns lugares tiveram baixa ocupação, porque não sediaram jogo nenhum. Houve também muitos cancelamentos, porque as pessoas ficaram com medo de faltarem voos, de haver um aumento muito grande de preços, o que não aconteceu. Houve um desequilíbrio. Mas deixamos um bom legado para ser sedimentado e crescer aos poucos. Porque quando acabou a Copa, também acabou o dinheiro. As pessoas gastaram o que puderam. Como os turistas levaram uma boa lembrança, provavelmente voltarão nas férias do ano que vem. O retorno não é imediato. Nós precisamos consolidar essa imagem positiva. Para a Olimpíada, acho que teremos muito boas surpresas.

A senhora nasceu no Japão e viaja muito para lá. Acredita que as características orientais a tornam uma executiva com estratégias diferenciadas?
Sim, porque mesclei o lado oriental com as características brasileiras. Quanto mais conhecimento a gente tem, porque viajo muito, melhor é. Quando você tem referências de alto nível, sabe que pode sempre ir mais além. O japonês é muito exigente. Por exemplo, cheguei hoje atrasada para esta entrevista por causa de uma reunião. Fico muito brava quando isso acontece, porque sou disciplinada. O japonês quer sempre fazer melhor do que o melhor. Tanto que lá existem muitos artesãos, que estão há 500 anos fazendo a mesma coisa no mesmo lugar. O foco é sempre fazer o melhor. De vez em quando, reúno amigos para um jantar. Planejo tudo detalhadamente. Como se fosse um teatro. Cada funcionário meu tem de saber o script de cor. Eles entendem que é bom dominar a situação, porque estão escrevendo o futuro deles. É diferente de prever o futuro. É se preparar para ele.

Quantas horas a senhora trabalha por dia? Poderia descrever o seu cotidiano?
Trabalho bastante, mas não gosto de falar em horas. Eu me levanto e vou orar pelo meu marido. Corro, faço ginástica com uma personal trainer três vezes por semana. Depois, dou café para o meu marido. Converso com ele. Na maioria das vezes, tomo meu desjejum no carro. Normalmente, tenho compromissos na hora do almoço e, algumas vezes, no jantar. Não gosto muito de conversar sobre negócios à noite, mas muitas vezes é preciso. Em casa, checo meus e-mails, porque gosto de responder a todos no mesmo dia.

Assiste à televisão? Algo para relaxar, uma novela?
Não. Não. Eu vejo o telejornal e, meia hora antes de dormir, preciso relaxar. Leio um livro ou vejo um filme. Principalmente policial.

E que tipo de livro a senhora lê?
Gosto de livros técnicos. Não leio romance. Gosto de ler sobre Administração e Gestão. Tudo ligado ao meu trabalho. Gosto de ficar em casa. Não saio para ir ao cinema ou teatro.

A senhora tira férias uma vez ao ano?
Não tenho nada definido. Quando é possível, eu viajo. Não tenho chefe, faço quando dá.

E viagens de lazer?
Não viajo a lazer. Quando meu marido era vivo, íamos ao Japão. Depois, não viajei mais. Se fico em um hotel, presto atenção em tudo o tempo todo. Onde eu descanso é na minha casa. Cozinho, arrumo gavetas, vejo minhas roupas. Mas gosto de ir ao Japão. Tenho casa lá, tenho parentes.

O Brasil é imenso, lindo, com diferentes atrações e paisagens. No entanto, o turismo aqui ainda é incipiente. Por quê?
O Brasil teria de ser menor (risos). O País, pelo seu tamanho continental, precisa de muito dinheiro para se tornar um destino turístico. Os governos locais têm feito sua parte. O Amazonas, por exemplo, tem se vendido bem lá fora. Rio de Janeiro também. Temos belezas naturais e culturas locais ricas. Mas, mesmo se a gente é bonita, tem de se arrumar e ser inteligente. O Brasil tem tanta coisa tão boa que às vezes esquecemos que é necessária infraestrutura para os turistas chegarem. É preciso ainda uma forma de explorar o turismo sem danificar a natureza e explorar melhor o que o local oferece. Por exemplo, veja o caso das rendeiras do Nordeste. Se houvesse organização entre elas, a criação de associações, as vendas seriam melhores. Poderiam ainda elaborar mais o design das peças, oferecer produtos sofisticados. As possibilidades são infinitas. Não é somar um mais um e dar dois. Elas poderiam também divulgar o País no exterior. Ir lá e mostrar sua produção. Somos muito amarrados a coisas padronizadas. Por exemplo, no jantar que dei em casa, eu mesma fui ao Ceasa fazer as compras de peixes e frutos do mar. Fiquei triste de ver tanta cabeça de peixe jogada fora, estragando ao sol. Os vendedores poderiam guardá-las no gelo e vender por um preço menor. Havia cabeças de salmão, que é a melhor parte dele. Eu comprei cada cabeça por R$ 2. No Japão, esse alimento é caríssimo. Se o Ceasa fosse organizado, se houvesse um restaurante como em Hong Kong, quantos turistas não atrairia? Lá, você escolhe o peixe que vai comer, entrega-o para o cozinheiro e o restaurante fica lotado. O Brasil tem muito potencial. Mas é preciso trabalho com os empresários e o governo. Precisamos de impostos menores. Ter duty free ajudaria. Também segurança, sinalização, meio de transporte decente. É muita coisa para ser feita.

Muitos empresários reclamam que é difícil conversar com a presidenta Dilma Rousseff. A senhora sente isso?
Eu não tenho amizade com ela (risos). Uma vez, fui a Brasília com a Luiza Helena (Trajano, dona do Magazine Luiza), que tem um grupo chamado Mulheres do Brasil. A presidenta foi muito sensível. E me surpreendeu porque fala muito bem. Não a achei durona. Eu também a encontrei em Tóquio, em um evento sobre o centenário da imigração japonesa. Ela se lembrou de mim. Foi super simpática. Pessoalmente, tenho a melhor impressão dela. Mas também nunca pedi nada. Não represento nenhuma entidade e não peço nada para mim. Quando a gente tem de pedir, tem de ser para um grupo, para uma organização.

O que a senhora espera do presidente da República?
Eu não sei dar conselho. Como cidadã, gostaria de ver mudanças estruturais no País. A reforma política é fundamental. Com a reforma, tende a acabar esta “propinagem”. As organizações públicas não funcionam e as pessoas dizem que é assim mesmo. Não, não é assim mesmo. Quando jovem, eu andava na rua com a maior tranquilidade. Hoje, os meninos não fazem isso. Uma mudança profunda é necessária. Esquecer as coisas ruins e refazer tudo. Alguém tem de ter coragem para começar. Retomar os valores éticos, que estão muito ligados à educação.

A senhora apoia os programas sociais como o Bolsa Família?
Eu não gosto. Estamos naquela fase em que, em vez de o cara roubar, o governo dá a comida. Mas isso não basta. Temos de ensinar, dar escola técnica, dar condições para ele viver. No Japão, isso é muito forte. Pouco tempo atrás, duas irmãs idosas literalmente morreram de fome. Foram incapazes de pedir dinheiro ou comida. Lá ninguém pede. É outra realidade. Acham que é uma vergonha também pedir ajuda para o governo. Ajudar os miseráveis aqui foi um bom ponto de partida. Mas é uma situação que não pode perdurar. É preciso dar portas de saída. Dar comida e dar trabalho. Mesmo que seja para varrer uma rua limpa várias vezes ao dia. A pessoa tem de dar valor. Tem de sentir que trabalhou, que fez jus ao dinheiro que ganhou.


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