“Enxergar é um luxo e nós nem temos ao menos que pagar por isso.” Assim dizia o poeta e pintor inglês William Blake e, de alguma maneira, é este o convite que o livro de poemas SigniCidade oferece ao leitor: um exercício do olhar.
A nova obra do pernambucano Frederico Barbosa, poeta, professor de literatura, amante de Poe e Baudelaire, é uma parceria com o Projeto Dulcinéia Catadora. Louve-se a ideia. Entre outras intenções, o projeto consiste em publicar livros com capas pintadas a mão por artistas e filhos de catadores de papelão e materiais recicláveis. No caso de SigniCidade, nada mais propício. A arte dialoga fortemente com o tema desta antologia.
Os poemas de Frederico Barbosa adentram as cidades e vasculham seu entorno. Lá estão ruas, ruelas, becos, esquinas, túneis, viadutos. Nessa incursão, o olhar do poeta convida para ver a cidade como construção humana, abismo de caminhos escuros e luminosos, paisagem contraditória, reflexo concreto do mundo contemporâneo.
Com sua perspectiva ao mesmo tempo amorosa e crítica, Barbosa aponta a dureza e a aridez da existência perdida nos labirintos das metrópoles e o prazer que existe na multiplicidade de vida dentro desse ícone construído pelo homem.
Centrados em São Paulo, sua cidade de adoção, e em Recife, onde o poeta nasceu, os versos passeiam por lá e cá. Mas não se limitam a essas capitais. Transcedem a elas, revelam uma cidade anterior, inominável. Cidade-signo que emerge às nossas vistas, que nasce a cada dia e é redescoberta em fragmentos de olhares. Cidade-mosaico de vida, de sons e sentidos.
SigniCidade consegue um delicado equilíbrio. A um só tempo, homenageia essa floresta urbana e revela uma observação severa dessa dura paisagem em tempos abismados. Mas o que se sobressai é o desejo de olhar e as reflexões a que esse olhar convida. Como escreveu Marcel Proust no clássico Em Busca do Tempo Perdido: “A verdadeira viagem não está em procurar novas paisagens. Mas em ter novos olhos”.
AS CIDADES E SEUS DONOS
2002
“há cidades desconfiadas
impessoais misteriosas
recife são paulo
em que se mora por empréstimo
de aluguel de passagem
sem se sentir dono
como inquilino temporário
mas que ninguém tem
há cidades que por mistério
se entregam por inteiro
salvador rio de janeiro
em que cada morador
é proprietário verdadeiro
em que todo o povo
sente-se e afirma-se dono
em todo gesto no menor jeito”
O que tramam as trilhas da cidade para o observador da esquina? E o que trama o observador da esquina para as trilhas da cidade? Estas são as indagações.
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