Leitores andam expressando melhor o que penso ao ler o noticiário do que eu e meus colegas jornalistas seríamos capazes. Foi o que senti, depois de consumir o caudaloso noticiário sobre a nova lei antifumo do governo paulista, ao ler a carta de Simone Montgomery Troula no Painel do Leitor da Folha desta quinta-feira.
Por isso, reproduzo a carta:
“Em resposta à lei antifumo de Serra, preciso achar a camiseta que comprei anos atrás e trazia uma caveira com cigarro e os dizeres: ‘O cigarro adverte: o governo faz mal à saúde’.
Grande verdade, porque nada aumenta tanto a pressão sanguínea quanto pagar impostos escorchantes, que, no limite, serão usados para pagar empregadas domésticas de parlamentares.
O Estado de São Paulo se esvai em dengue, febre amarela e malária, e o governador Serra se preocupa com os fumantes. E para quê?
Para aparecer, porque se fosse por preocupação com a saúde dos eleitores e contribuintes, o governador se dedicaria a enfrentar as doenças medievais que estão à solta e sem combate adequado em nosso Estado”.
Os leitores mais antigos aqui do Balaio são testemunhas da minha luta pessoal contra o cigarro. Já tentei parar de fumar várias vezes – a última delas, no final do ano passado, quando relatei aqui a minha dolorosa experiência em diferentes matérias. Não consegui, acabei voltando.
Quanto à frase da camiseta da leitora Simone Troula, não está assim tão longe da verdade, pelo menos no que me diz respeito. Ao voltar de Brasília, depois de trabalhar dois anos no governo, não cheguei a fazer camiseta, mas comentei com meus amigos: “O governo faz mal à saúde”.
Claro que por outras razões, já que trabalhava muito, ganhava pouco e apanhava de todo lado, o que abalou mesmo a minha saúde. Fui parar no hospital, passei por uma delicada cirurgia e, neste caso, a culpa não foi do cigarro.
Claro que, como todo mundo com um mínimo de lucidez, aprovo medidas restritivas para proteger aqueles que não fumam. Mas é evidente também que a Lei do Serra aprovada esta semana pela dócil Assembléia Legislativa de São Paulo é tão draconiana, arbitrária e discriminatória que até os não-fumantes hão de concordar com o exagero.
Nem em Toronto, no Canadá, pioneira e rigorosa no combate ao fumo, onde estive a trabalho no final dos anos 90 do século passado, as restrições são tão violentas como as previstas nesta lei.
Lá pelo menos ainda havia bares reservados a fumantes, onde quem quisesse poderia pitar, beber e comer à vontade. O fumacê era insuportável até para quem fuma, mas ninguém era obrigado a ir lá.
Aqui chegaram ao requinte de perversidade de proibir a venda de bebida e comida nas tabacarias, único lugar onde ainda se poderá fumar, além das casas e das ruas, segundo a nova lei.
O que tem uma coisa a ver com outra? Que mal fará à saúde pública se em local permitido o cara pede um conhaque para acompanhar o charuto? O que o governo tem a ver com isso?
Se o pretexto é a defesa de quem não fuma, presume-se que os não fumantes não frequentem charutarias e, portanto, não serão prejudicados com o que comem e bebem os que vão lá para encontrar os amigos.
Seria como um ateu entrar em qualquer templo e começar a reclamar dos rituais ou o sujeito que não gosta de futebol ir a estádios só para blasfemar contra este ópio do povo.
Em entrevista à Folha, o governador José Serra apresentou, entre outras razões para defender a lei, um trauma de infância. “Meu pai, meus tios, um primo muito próximo, meu avô materno viveram muito menos do que poderiam por culpa do cigarro”.
Quem garante? O governador afirma, sem citar a fonte, que “neste século quem fuma vai viver em média 20 anos menos”. Mesmo que isto seja cientificamente comprovado, pergunto: e se esta for a opção do indivíduo?
Qual o problema, se ele respeitar os não fumantes, evitando o cigarro em ambientes fechados? É o governo que vai determinar – e portanto, garantir – quantos anos cada um de nós irá viver?
Todo mundo certamente conhece gente que nunca fumou nem bebeu, fez dieta, malhou e só cuidou da saúde, e viveu doente ou morreu cedo. Qualquer imbecil sabe que o cigarro faz mal à saúde, não precisa ninguém dizer, mas andam chutando muitas pesquisas e estatísticas apenas para se alinhar ao políticamente correto.
O próprio governador levou a questão para este campo, ao afirmar à Folha que será díficl aplicar a lei porque “vai ter muita torcida contra, até por motivos políticos, graças a esta malfadada antecipação das disputas eleitorais do ano que vem”.
Mais uma vez a pergunta: e o que tem uma coisa a ver com outra? Ao contrário do que ele insinua, na base desta lei que prevê pena máxima para os fumantes estão exatamente as pesquisas que mostram ser a maioria dos eleitores favoráveis a ela.
Mas, se for para governar com as pesquisas na mão, ou fazer plebiscitos como propôs esta semana o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), além de proibir o cigarro vamos ter que adotar também a pena de morte e fechar o Congresso Nacional.
O país caminha perigosamente para tempos de intolerância.
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