“Estou me sentindo o Eric Clapton aos 20 anos”, segredou Cildo Meireles, com intimidade para a câmera, após ser abordado na rua por uma fã inglesa que o cumprimentava pela exposição na Tate Modern e solicitava uma foto com o artista plástico brasileiro. Em 45 anos de carreira e com mais de 65 exposições individuais, um dos mais respeitados artistas plásticos contemporâneos e especialista em instalações é o único brasileiro vivo a ter uma exposição individual na Tate Modern – um dos templos das artes plásticas do mundo. É uma antologia que cobre um período de 1967 até 2004. Em três meses de exibição, a Tate Modern contabilizou cerca de mil visitas diárias às suas obras – o dobro das previsões dos curadores do museu. Um sucesso absoluto de público e crítica. “O pessoal do museu é muito profissional e trabalhou desde 2003 para que a exposição acontecesse. Quando recebi a visita deles em meu ateliê (em Botafogo, Rio de Janeiro), parecia que eles conheciam mais minha obra do que eu mesmo”, recorda o artista. O espanhol Vicente Todoli, diretor do museu, assinou a curadoria da mostra, junto com o crítico britânico Guy Brett, cocurador e um dos grandes especialistas em arte brasileira no mundo, e Amy Dickson, curadora-assistente. De Londres, a mostra viajou para Barcelona (Espanha), onde fica até 29 de abril, seguindo para Houston e Los Angeles (EUA) e Toronto (Canadá). “O Brasil ficou fora, pois é uma exposição muito cara”, lamenta.

O momento é especial para o artista. Além da exposição, dos prêmios internacionais Velázquez e Ordway, que recebeu em 2008, ele ainda ganhou um documentário dirigido pelo diretor Gustavo Moura. Cildo estreou no dia 9 de janeiro passado, na sala de exibição da Tate, em Londres, e ainda não tem data prevista para ser lançado no Brasil. Produzido pela Matizar Filmes, com consultoria da curadora de arte Vanda Klabin, o documentário faz parte da série Retratos Contemporâneos da Arte, que tem dois outros filmes, um sobre o artista Fernando Lemos, realizado em 2004, e outro, em produção, sobre Carlos Vergara, companheiro de geração de Meireles, que completou 60 anos em 2008.
[nggallery id=15478]

Meireles é descrito pela imprensa britânica como intrigante, politizado, sedutor, filosófico. Assume que não gosta de dar entrevistas, mas, apesar da aversão a lentes e microfones, é sempre receptivo com jornalistas, seja da grande imprensa, seja de jornaizinhos de bairro. No documentário, é possível conhecer aspectos ainda mais íntimos de sua personalidade, o que amplia e exterioriza o entendimento de suas obras. “Eu sou um artista direto, sintético e objetivo. Alguns críticos até não gostam muito, pois eu não complico em nada. O que quero expressar vai estar na minha obra claramente, sem grandes invenções”, diz em uma das cenas do documentário.

Os atrasos e problemas rotineiros de verbas para o documentário, que começou a ser produzido em 2005, acabaram facilitando o entendimento da obra de Meireles. “O filme traduz a maneira como eu me vejo. E eu gosto da maneira como o Gustavo mostra os trabalhos. Quase como uma imersão, uma simulação, o que é raro em documentários em função do tempo de produção”, elogia Meireles.

“Rodar por tanto tempo deu outra característica ao filme. Se fosse apenas sobre a mostra na Tate, poderia parecer oportunismo. Pude gravar horas de entrevista com o Cildo, ir a outras exposições e explorar seu pavilhão em Inhotim”, explica Moura. O áudio é um dos pontos fortes do documentário, que resgata obras sonoras de Meireles pouco conhecida como a “Liverbeatlespool”, de 2004, produzida especialmente para a Bienal de Liverpool. Ou a “Sal sem Carne”, de 1975, que trata de um dos trabalhos mais políticos do artista revelando fatos sobre um dos primeiros massacres indígenas denunciado como crime no Brasil. “Nas minhas instalações o som está presente, dando mais impacto à obra, como o barulho do vidro quebrando em Através e a sobreposição das diversas emissoras de rádio em Babel”, analisa.

Foto: Divulgação
INTRIGANTE
Em Babel, Cildo faz uma reflexão sobre a inabilidade de comunicação, que, segundo a Bíblia, é a causa dos conflítos da humanidade

ENTREVISTA CILDO MEIRELES

Brasileiros – O que representou para você expor na Tate Modern?
CILDO MEIRELES – Se você joga futebol, é o equivalente a vencer a Copa do Mundo. Por Londres ter se transformado em um dos três centros mais importantes de artes plásticas do mundo, a minha escolha aconteceu num contexto de muita competição. Havia muita pressão sobre números, valores, etc, mas ao final fiquei bastante contente, pois tivemos uma resposta extraordinária do público.

Brasileiros – Como você se sente ao passear pela sua exposição e ver filas de mais de uma hora de espera para entrar nas instalações como o Desvio para o Vermelho e Volátil?
C.M – Por um lado é ótimo, inclusive para a própria produção da exposição, que significa uma boa arrecadação, pois se trata de uma exposição paga. A ironia é que trabalhos muito pequenos fisicamente, como o “Inserções”, lidam com um público muito grande. E as peças muito grandes sempre foram pensadas por mim para uma pessoa de cada vez, pelo tempo que quisesse. Algo bem oposto ao que está acontecendo. Nesse sentido, acho que há uma perda.

Brasileiros – Qual o seu próximo passo?
C.M – Na verdade eu nunca tracei objetivos dessa maneira. Os meus objetivos estão mais dentro do próprio universo do trabalho. Eu penso mais em projetos, alguns estão parados e eu gostaria de retomá-los. “Desvios para o Vermelho”, por exemplo, a primeira anotação minha sobre o trabalho é de 1967, mas a primeira vez que eu montei como instalação foi em 1984, ou seja, 17 anos depois da primeira anotação. Sendo que outros trabalhos foram aparecendo e foram sendo pensados nesse intervalo.

Brasileiros – Você diria que este é seu método de produção? Como você desenvolve e amadurece seus trabalhos?
C.M – Eu não tenho um método de trabalho, cada peça tem uma espécie de biografia. Eu sempre pretendi fazer cada projeto totalmente diferente do antecedente. Eu acho que isso é um aspecto que as artes plásticas permitem.

Brasileiros – Quantos anos você tem de carreira?
C.M – Eu comecei a trabalhar metodicamente a partir de 1963. Eu tinha 15 anos. A primeira exposição que eu participei foi em 65, durante o 2o Salão Nacional de Arte Moderna do Distrito Federal, em Brasília, onde eu morava, com uns desenhos que eu chamo de “Meus Desenhos Africanos”. Um ano e meio depois eu fiz minha primeira exposição individual, no Museu de Arte Moderna da Bahia, a convite do artista e escultor Mário Cravo Júnior, que na época era diretor do museu. Eu completei 19 anos durante essa exposição. Mas nessa época, 1966 e 1967, eu estava mais interessado em cinema de animação. Até cheguei a fazer um filme, de cinco ou seis minutos, desenhado na película que assisti uma única vez.

Brasileiros – Qual sua formação?
C.M – Cheguei a entrar para a Escola Nacional de Belas Artes, em 1968, mas frequentei menos de dois meses, pois eu já estudava, desde 1963, com o professor e artista peruano Félix Alejandro Barrenechea, que foi uma pessoa maravilhosa na minha vida. Então, as aulas não estavam acrescentando muito para mim. Ademais, a Escola funcionava no Museu Nacional de Belas Artes, na Cinelândia, que sempre foi o centro cultural e político do Rio, onde aconteciam manifestações e passeatas. Então, o cenário não era muito propício para continuar na faculdade.
Em 1969, fui indicado para fazer parte de uma exposição que escolheria a representação brasileira para a Bienal de Paris, mas a feira foi fechada horas antes da inauguração pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops). O fato foi um escândalo internacional, gerou um boicote à Bienal de São Paulo por dez anos, enfim. Depois fui participar de uma exposição em Nova York, onde fiquei um ano e meio e foi quando convivi com o Hélio Oiticica.

Brasileiros – Alguns críticos comentam que há uma presença constante de esferas em seus trabalhos. Isso está ligado ao fato de você gostar de futebol?
C.M – Talvez. Eu sou um artista direto e objetivo. Esferas são símbolos muito fortes que ilustram perfeitamente a mensagem que eu quis atingir, de uma maneira ou de outra, em cada obra que achei necessário inserir bolas. Aos 16 anos quase me tornei jogador profissional. Havia dois clubes que queriam me contratar, o infanto juvenil para o Flamengo e outro da categoria de base do Cruzeiro de Belo Horizonte. Mas eu já estava envolvido com desenhos, comecei a sair, beber, namorar… (risos). Mas eu gostava mesmo era de jogar, nem de treinar eu gostava, uma das razões que eu também não continuei no futebol.

ENTREVISTA GUSTAVO MOURA
Brasileiros – Qual a maior dificuldade na realização deste documentário?
Gustavo Moura – Filmar uma pessoa que não gosta de ser filmada. Embora o Cildo tenha sido sempre totalmente disponível e atencioso, nunca foi algo natural para ele ser “acompanhado” por uma equipe de filmagem.

Brasileiros – Uma produção longa, como foi o caso de Cildo, muitas vezes acaba desgastando a equipe e, como consequência, o produto. Como você avalia esse aspecto na produção deste documentário?
G.M. – Isso não aconteceu no caso desse filme porque o processo foi todo muito lento, suave e espaçado. Ficamos quase quatro anos realizando-o, mas sempre com outros projetos acontecendo paralelamente. Isso que você diz acontece mais quando se fica muito tempo exclusivamente trabalhando numa única coisa, o que não foi o nosso caso.
Para mim, foi sem dúvida muito bom ter tido esse tempo todo para ir me aproximando do universo do Cildo, para ir absorvendo o ritmo dele, o pensamento, o tempo e a forma de cada coisa.

Brasileiros – Alguma previsão para o lançamento do documentário no Brasil?
G.M. – O filme foi um dos selecionados para o festival “É Tudo Verdade”, no mês de março, em São Paulo, o que é uma ótima maneira de estreá-lo no Brasil. Além disso, estamos planejando sessões públicas em SP, no Rio e em Brasília ainda no primeiro semestre de 2009.


Comentários

Uma resposta para “Cildo Meireles”

  1. Boa tarde Cildo!
    Possuo um trabalho realizado na técnica grafite de um artista que assina Barrenechea. Gostaria de saber se é possível que você reconheça se esse artista é o então mencionado a cima em sua entrevista FELIX ALEJANDRO BARRENECHEA. Tirei uma foto do trabalho e gostaria de saber se posso enviar para que você avalie. Se sim, mande-me seu e-mail para a postagem. Desde já agradeço pela atenção.
    Alessandra

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.