Cinco décadas de integração armada

A Operação Unitas foi imaginada na segunda metade da década de 1950 pelo chefe de Operações Navais dos Estados Unidos à época, almirante-de-esquadra Arleigh Burke, como uma maneira de integrar as marinhas das Américas, especialmente no estabelecimento de táticas e procedimentos padrão da guerra antissubmarina. Os alvos, naqueles tempos de Guerra Fria, eram os submarinos soviéticos, que começavam a se aventurar pelo Oceano Atlântico. Burke, um militar com visão global, encarava os exercícios navais entre navios e submarinos americanos e de seus parceiros nas Américas, entre eles o Brasil, como uma forma de integração, bem além dos simples treinamentos de combate no mar contra o “inimigo vermelho submerso”.

Dessa maneira, em 1960, foi realizada a primeira Unitas, que começou no Caribe, seguiu pelo Oceano Pacífico, com a força-tarefa da Marinha dos EUA, cruzando antes o Canal do Panamá, e se encerrou em novembro no litoral brasileiro. A experiência foi bem-sucedida, segundo as análises dos comandos navais dos países envolvidos, e a Unitas II foi realizada nos mesmos moldes em 1961. No ano seguinte, os problemas políticos afetaram a fase final da operação, que seria realizada no Caribe. Com a crise dos mísseis, com Cuba, a Marinha dos EUA e dos países do Caribe suspenderam os exercícios da Unitas e passaram a fazer o bloqueio naval de Cuba.
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Passada a crise, a Unitas retomou seu formato operacional. Em 1968, com a modernização realizada por várias marinhas sul-americanas, com destaque para o Brasil, os EUA decidiram elevar o nível de sua participação, enviando para exercícios no Brasil o porta-aviões Randolph e o submarino nuclear Gato, o primeiro a entrar na Baía da Guanabara. Na década seguinte, a Unitas se consolidou como um dos mais efetivos exercícios navais multinacionais.

A operação naval integrada enfrentou outra crise em 1982, com a Guerra das Malvinas entre Argentina e Grã-Bretanha. Cinco países sul-americanos, entre eles o Brasil, não participaram da operação. Nos anos 1990, com o fim da União Soviética, o foco da Unitas começou a mudar, buscando novas estratégias de guerra naval. Finalmente, ao chegar aos 50 anos, novas ameaças e novas estratégias se incorporaram à Unitas. Além da guerra naval tradicional, o combate ao terrorismo e à pirataria passou a fazer parte dos exercícios, como aconteceu no Atlântico Norte, durante a Unitas Gold, acompanhada por Brasileiros.

Os novos desafios: terrorismo, pirataria e contrabando
A abordagem a navios mercantes suspeitos sempre foi tarefa de navios-patrulha ou da Guarda Costeira, em países que dispõem dessa força naval. Mas, de dois anos para cá, as marinhas de todo o mundo passaram a enfrentar uma realidade nova, que inclui até uma atividade criminosa que se julgava desaparecida há mais de 200 anos, a pirataria. A Unitas Gold foi uma boa prova de que as marinhas tiveram de se adaptar aos novos tempos. Navios como a fragata Constituição, a fragata canadense Montreal e os destróieres americanos da classe Arleigh Burke, navios de grande porte, já dispõem de equipes treinadas para a abordagem a navios suspeitos, usando uma mistura de técnicas de comandos, de guarda costeira ou de polícia mesmo.

Durante a Unitas Gold, esses exercícios foram realizados por grupos, cada um com três navios. Assim, a fragata brasileira, a fragata canadense e a corveta Thetis, da Guarda Costeira dos EUA, se revezaram na simulação de operações de abordagem a navios suspeitos. A equipe brasileira, formada por nove homens, abordou os dois navios, cumprindo missões de investigação e busca. Canadenses e americanos fizeram o mesmo, mostrando suas técnicas e diferentes abordagens nos navios “suspeitos”.

Mais acostumado à rotina de inspeções em navios, o pessoal da Guarda Costeira americana mostrou muita rapidez na abordagem da Constituição. No final, houve até confraternização entre os americanos e os “suspeitos” do navio brasileiro. Os canadenses chegaram armados até os dentes. A equipe, que tinha a participação de uma mulher – elas estão presentes em navios de guerra dos EUA, Canadá, Alemanha, Peru, entre outros -, trazia metralhadoras, pistolas e coletes à prova de balas, também demonstrou eficiência e profissionalismo.

A equipe da Constituição – a participação nesse exercício era voluntária -, embora contasse com com dois oficiais, era liderada por um sargento. O grupo mostrou que está preparado para cumprir as novas missões. No entanto, enquanto as lanchas canadenses e americanas tinham motores potentes, a lancha brasileira era equipada com um único motor de popa. Segundo o capitão-de-mar-e-guerra Jefferson, do Estado Maior da Esquadra, que coordenou a participação brasileira na Unitas, a troca das lanchas rápidas das fragatas já está sendo estudada. E como no Brasil a versatilidade parece ser uma característica nacional, na Constituição não foi diferente. Um especialista na operação de radares, o 1º sargento Ney Sakamoto, acabou se transformando em um instrutor especial.

Com cursos na Academia de Polícia do Rio, Sakamoto, que é diplomado na luta israelense Krav Maga, treinou o pessoal de bordo nas técnicas mais modernas de revista e imobilização de suspeitos. E ainda mostrou como se desarma, com as mãos nuas, oponentes armados com pistolas e facas. A Marinha já estuda usar Sakamoto para treinar equipes de busca em outros navios.


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