Cinema brasileiro comemora recordes em 2013

Cena do filme Cine Holliúdy, que chegou aos cinemas em 2013 e está na 12ª posição entre os maiores de bilheteria do último ano
Cena do filme Cine Holliúdy, que chegou aos cinemas em 2013 e está na 12ª posição entre os maiores de bilheteria do último ano

O ano de 2013 deu razões para produtores, exibidores e, claro, o público brasileiro comemorar. Para se ter uma ideia, 27,8 milhões de brasileiros foram aos cinemas no ano passado para ver filmes que falavam a mesma língua que eles. Segundo o último informe da Ancine – Agência Nacional do Cinema, divulgado na semana passada, nosso cinema bateu recordes.  Ao todo, foram 127 longas-metragens lançados. Em 2012, o número de lançamentos ficou em 83 longas. Em 2013, a participação de público nos filmes nacionais terminou o ano em 18,6%, um número que quase dobrou em relação ao anterior. “O ano, sem dúvida, foi muito bom”, afirma o cineasta Ícaro C. Martins e membro da diretoria da Associação Paulista de Cineastas APACI. “Só que isso não significa uma estabilidade”, completa.

Ícaro foi o representante da instituição paulista na última reunião de cota de tela da Ancine. Tal cota diz respeito às empresas exibidoras, que são obrigadas a incluírem em sua programação obras brasileiras de longa metragem. A partir de janeiro, dependendo do número de salas de exibição, os complexos terão que cumprir uma cota que varia de 28 a 63 dias por sala e exibir no mínimo entre 3 e 24 filmes nacionais e diferentes.

A cota é um mecanismo antigo, surgiu no governo Getúlio Vargas e persiste até hoje como forma de proteger a produção nacional da competição desleal com filmes norte-americanos de grandes distribuidoras. Mas há críticas em relação às cotas e a regulação do mercado. Ícaro, por exemplo, acredita que o aumento da cota de 13,7% para 14,1% foi muito tímido. Brasileiros conversou com o cineasta a respeito do novo aumento, dos números positivos de 2013 e a necessidade de uma maior regulação do mercado.

B – Segundo o informe da Ancine, 2013 foi um ano excelente para o cinema brasileiro. Como você avalia esses resultados? Dá para comemorar?

Ícaro – O ano sem dúvida foi muito bom, só que isso não significa uma estabilidade. Por exemplo, o ano foi muito bom se for comparar com 2012, quando tivemos uma ocupação do mercado de 10,6%. Em 2013, ficamos por volta de 18%. Sem dúvida, foi muito bom, mas não quer dizer que este ano não volte a cair. Daí a minha ênfase em precisar uma maior regulação do mercado. Por outro lado, o aumento de cota de tela foi inexpressivo. O dado mais expressivo é que foi a primeira vez em sete anos que tivemos um aumento na cota de tela. Mas ela aumentou de 13,7% para 14,1% nos dias de ocupação. É um aumento muito tímido. Então você que ao longo desse tempo, nosso mercado cresceu muito em termos nominais, nós temos muito mais cinemas, muito mais filmes produzidos, mas nossa média de ocupação do mercado pelo filme brasileiro, o market share, ele continua nessa faixa de 13 a 14%. Tem anos de pico, por exemplo, em 2003 a gente teve um market share de 21,4%. Em 2004, tivemos um market share de 14%. E em 2010, 19. Então, a questão é que temos uma oscilação muito grande. E a cota de tela não é uma meta que a gente tem a ser atingida, a cota de tela é um piso para reduzir os picos de baixa. É a maneira como nós entendemos.

B – E como você vê a questão da distribuição entre os próprios filmes nacionais. Por exemplo, quando foi lançado, “Som ao Redor” foi distribuído em 13 salas, enquanto “De pernas pro Ar 2” foi lançado em mais de 700 salas.

Í – A questão não é nem essa. O que falta é uma regulação quanto a maneira de ocupação do mercado, principalmente quanto a distribuição do filme estrangeiro. Um dos casos exemplares é o filme “Cine Holliúdy” [dirigido por Halder Gomes e que foi sucesso de bilheteria no Nordeste, onde foi rodado].  É um filme que quando chega no grande mercado, que é o Sudeste, o filme tem um lançamento pífio. Ou seja, não é nem a questão de ser um filme mais alternativo. Há anos a gente protesta contra a possibilidade de um filme ocupar mais que 20% das telas no mesmo multiplex. Isso até agora é uma questão que não é encarada pela Ancine. O market share do filme brasileiro não vai continuar a crescer se ficar nessa proporção. Mesmo que um ou outro filme nacional que tenha um grande esquema de lançamento, se você for comparar ele não chega a metade dos lançamentos dos filmes americanos. Mesmo o “De pernas pro ar 2”, no dia do lançamento, ele ocupou menos de 20% de salas do país. Enquanto os filmes americanos ocupam 49%, 59%, 60%. Um filme só.

"De pernas pro ar 2" foi lançado em 718 salas de cinema em 2013. Um dos lançamentos mais massivos de 2013, só ficando atrás de "Até que a sorte nos separe", lançado em 778 salas
“De pernas pro ar 2” foi lançado em 718 salas de cinema em 2013. Um dos lançamentos mais massivos de 2013, só ficando atrás de “Até que a sorte nos separe”, lançado em 778 salas

B – E como se resolveria essa questão?

Í – Isso é uma questão de regulação do mercado para dar condições mais justas de concorrência. Você jamais vai ter condições iguais de concorrência se um mesmo filme pode ocupar mais que 25% de telas de um mesmo multiplex. Por exemplo, digamos que um casal de classe média vai ao cinema, duas vezes por mês.  Chegando ao cinema, esse casal vê que cinco salas estão passando um filme, duas estão passando outro e uma está passando um terceiro em horários diversos. Bem, ele acaba entrando no filme que está entre as cinco salas, querendo ou não. Isso é o que a gente chama de uma ocupação predatória do mercado. A cota de tela é um dos instrumentos que temos, mas é pouco significativo. Ela funcionava muito melhor quando os cinemas tinham uma sala só. A partir do momento em que você tem um multiplex, a equação passa a ser outra. E isso até hoje, a Ancine, curiosamente, não teve coragem de enfrentar. Acho que falta vontade política de fazer isso.

B – E como você avalia a participação das leis de incentivo desde a época da retomada?

Í – As leis de incentivo possibilitaram uma retomada da produção. Mas nós temos, por outro lado nos últimos anos, uma centralização cada vez maior nas mãos da Ancine, que está sendo ao mesmo tempo reguladora e fomentadora, ou seja, todo o poder está concentrado nela.  Por exemplo, uma das iniciativas mais importantes que o cinema nacional teve desde a retomada, foi o edital de filmes de baixo orçamento lançado pela Secretaria do Audiovisual do Ministério de Cultura e ele foi descontinuado. É um edital que foi responsável por fazer alguns dos mais importantes filmes brasileiros da retomada, como o “Som ao Redor”, “O Invasor”, “Amarelo Manga”. E, entretanto, foi descontinuado e é uma perda importante no Ministério da Cultura e da Secretaria do Audiovisual quando justamente uma das grandes estratégias do cinema brasileiro, desde o fim da Embrafilme, foi a de não cair no mesmo erro de ter uma única fonte centralizadora e fomentadora. Se ela entra em crise, acaba tudo.

B – E quanto a criação recente da SP Cine?

Í – Pode vir a ser uma alternativa a isso. Nós vemos com muitos bons olhos, mas a gente acha que é fundamental ter também uma participação de realizadores [de cinema] na gestão da SP Cine. É tradicional no cinema nacional. Sempre houve representantes dos realizadores dentro dos principais órgãos fomentadores, desde a época do Instituto Nacional do Cinema, do Concine, da Embrafilme, e a própria Ancine foi uma criação do setor de realização, um feito de cineastas brasileiros. 

"Serra Pelada", filme de Vera Egito e Heitor Dhalia também teve bom desempenho em 2013
“Serra Pelada”, filme de Vera Egito e Heitor Dhalia, também foi um dos destaques lançados em 2013

B – Mas voltando aos resultados positivos de 2013, a seu ver o que contribui para tais saldos?

Í – Devem principalmente a uma safra boa. Na verdade essas oscilações são sazonais. O cinema é uma indústria de protótipos, embora não queiram assumir isso. Daí essa tendência de se apostar em sequências, mas isso é também uma minoria. É uma porcentagem muito pequena da produção. O que nós temos colocado é a questão da cota de tela, pois não temos tido uma política global e consciente de ocupação do mercado.  A cota de tela é um mecanismo que vem desde a década de 1950 e que existe em vários outros países. No entanto, nos outros países, ela vem acompanhada de uma série de outras regulações, caso da França e outros países europeus. São tentativas que ajudam a equilibrar o mercado, já que as condições de concorrência são absolutamente desiguais quando se compara a uma produção americana, que tem uma campanha mundial, onde o custo total de um filme fica em 400 milhões de dólares, ou seja, é mais que o todo o cinema brasileiro investiu em todas suas produções em um ano. Você vê que o resto do mundo tem dificuldades de equilibrar o mercado. Só conseguiram equilibrar os países que tiveram uma política muito mais coerente e menos tímida que a Ancine tem tido.

B – E tendo em vista isso, não dá nem para atribuir culpa a uma formação de público para o cinema brasileiro.

Í – Não, não se pode culpar nem o público e tampouco a produção. Acho que isso é simplesmente uma regulação de mercado. Por exemplo, a indústria brasileira não protesta contra a produção de produtos chineses? É a mesma coisa.

B – Fazer previsões acerca do mercado cinematográfico daqui dez anos também depende de uma série de fatores…

Depende de uma série de regulações. Ou se regula o mercado agora que está tendo a digitalização, ou a gente vai ficar em uma situação extremamente difícil. Então a hora é agora. 


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