Em meio a programação literária, a Flip propõe frequentemente eventos que integram as demais artes em espaços paralelos, como a Casa da Cultura ou as Igrejas da cidade histórica. Nesses programas, o cinema tem recebido destaque – na 6ª edição, por exemplo, a cineasta argentina Lucrecia Martel fez pré-estreia de sua obra inédita, na época, em solo brasileiro, La mujer sin cabeza.Na tarde de sexta-feira (3), a mesa Indústria do cinema, mediada por Guilherme Fiuza, autor de Meu nome não é Johnny, validou o compromisso da Festa Literária com a sétima arte. Tendo como participantes a produtora Rita Buzzar – de Olga e Budapeste -; o diretor da Conspiração Filmes, Pedro Buarque de Holanda e Cláudio Torres, diretor do longa em cartaz A mulher invisível, a mesa abordou os processos de transformação da indústria cinematográfica nacional a partir da Retomada, período iniciado em meados da década de 1990 e que coincidiu com a implantação de políticas públicas – como renúncia fiscal – e leis de fomento que privilegiassem os projetos audiovisuais.LEIA TAMBÉM:
Era uma vez…
O amigo do rei
Manhã de Flip bem-humorada
Vida de escritor
Sermões de Richard Dawkins
O velho e a literatura
Flores de plástico e amores expressos
Um divã para a China
A comédia da vida privada
A voz e o dono da voz
Escutando Alex Ross
Dicotomias
Relatos ficcionais
Weekend à francesa
O (re)contador de histórias
Que homem é aquele que faz sombra no mar?
O último poemaOs participantes concordaram ao revelar que a indústria cinematográfica brasileira ainda depende de tais mecanismos, visto que, atualmente, o cinema tem seu motor na estatal Petrobrás. Para Rita, a divulgação constitui-se como o maior entrave para que o produto fílmico final chegue ao público e possa ser fixado no imaginário. “O mais importante para nós que produzimos é que o filme chegue às pessoas”, disse, insistindo que a difusão das obras deve ser o foco para a resolução eficaz dos problemas que envolvem a indústria no país. A mesma taxação para filmes brasileiros e blockbusters já inviabiliza a possibilidade da concentração dos nacionais nas salas, reconhecendo que a sistemática atual aponta para os distribuidores internacionais que lançam em inúmeras multiplex filmes de orçamentos milionários, com um poder de barganha incomparável aos das produções brasileiras, mais modestas e menos atrativas por um ideal cultural arraigado na sociedade.”Havia o cinema de comédia, o drama, o terror e o cinema brasileiro”, lembrou Pedro, referindo-se à ideia consagrada e pouco coerente de que, majoritariamente entre os jovens, havia – ou ainda há? – uma espécie de repulsa ao cinema brasileiro enquanto linguagem. Como gênero, o cinema brasileiro também divide, ainda hoje, as prateleiras das vídeo locadoras. Autores consagrados como Glauber Rocha ou Rogério Sganzerla não se situam ao lado de Rossellini ou Orson Welles numa divisão por grandes diretores, mas no mesmo balaio de gato em que estão os filmes da Xuxa ou Renato Aragão.Tal discussão tencionou Cláudio a dizer, inclusive, que em seu último filme, A mulher invisível, tentou driblar um problema de ordem da composição estética deixando a obra mais “comercial”, a partir do acesso limitado que seu filme Redentor, de 2004, conseguiu. “Um filme que atinge 230 mil pessoas não cumpre seu papel social”, alertou Cláudio, dizendo que teve de preocupar-se em não deixar que as influências, referências e elaborações da linguagem cinematográfica enviesassem a mensagem, permitindo, com uma espécie de “facilitação, que o acesso ao maior número de espectadores fosse garantido. Porém, a afirmação guarda um pouco do pensamento estratificado da cultura, onde o cineasta, ao situar-se num estrato superior ao de sua audiência, tem de descer a níveis mais simples de composição para permitir que sua obra possa ser compreendida. Neste caso, levar a montanha a Maomé tapa o sol com a peneira.Seja como for, o debate é mais do que necessário, num tempo em que as propostas de mudança da Lei Rouanet – principal fomento do audiovisual no país – amedronta realizadores, produtores e cinéfilos que ainda bem se lembram – como se fosse ontem – do tempo em que o cinema brasileiro não estava mais nas prateleiras das videolocadoras. Pensando bem, não faz tanto tempo assim.
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