A vida é fragmentada e nossa percepção do mundo também. Hoje, mais do que nunca, as informações nos chegam em profusão e de diversos suportes: TV, internet, redes sociais, mídia impressa, livros, etc. Controlá-las não é tarefa fácil. Por isso, a nossa sensação de vida fragmentada é ainda maior hoje, e nosso entendimento sobre os fatos, passados e presentes, é cada vez mais difícil. Sentimo-nos náufragos em um mundo vertiginoso, cheio de acontecimentos e novidades.
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Um exemplo entre vários acontecimentos recentes no mundo é a luta civil no Oriente Médio, sufocado durante décadas por governos ditatoriais, como o de Kadafi, na Líbia. É em cima de materiais assim que os documentários são realizados. “Em tempos tão turbulentos, é excitante notar que o documentário nos traz, como nunca, nessa nova safra aqui revelada, a dimensão pessoal, privada, dos acontecimentos da esfera social, pública”, diz Amir Labaki, fundador e diretor do Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, que acontece a partir desta sexta-feira (1º) até o dia 10, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Serão exibidos 92 documentários de 29 países, entre curtas e longas-metragens. Além da Mostra Competitiva de longas e curtas nacionais e internacionais, o festival abre espaço para as mostras: Programas Especiais, Estado das Coisas, Foco Latino-Americano, Retrospectiva Brasileira “Poesia é Verdade” e Retrospectiva Internacional dedicada à cineasta russa Marina Goldovskaya. Aliás, ela virá a São Paulo para a Conferência Internacional do Documentário, evento que acontece durante o Festival É Tudo Verdade.
O evento foi aberto oficialmente na noite de quinta-feira (31), para convidados, no Cine Livraria Cultural, em São Paulo, com a exibição do documentário The Black Power Mixtape, de Göran Hugo Olsson. O diretor não estava presente na sessão, porque, segundo Amir Labaki, está em filmagem. “Ele gostaria muito de estar presente nessa sessão de abertura, mas sua ausência é por um bom motivo, ele está rodando seu novo filme”.
Documentários imperdíveis
A programação da 16ª edição do É Tudo Verdade está realmente imperdível, e quem quiser sair de casa para entrar na sala de cinema escura tem bons motivos para tanto. Além do mais, o festival é de graça. Quem não pôde estar presente na sessão de abertura, terá a oportunidade de assistir ao excelente The Black Power Mixtape nesta sexta. O documentário é um retrato jornalístico sobre as lutas dos negros norte- americanos no final dos anos 1960, início dos anos 1970. O filme traz imagens em preto e branco, em sua maioria, de reportagens de uma TV sueca nos EUA, entre os anos 1967 e 1975. Esse material ficou esquecido em um depósito da TV sueca por mais de três décadas foi recuperado e editado por Olsson.
As imagens trazem entrevistas com ativistas negros pelos direitos civis dos afro-americanos, além de discursos de dois grandes líderes dos movimentos: Malcom X e Martin Luther King. Dois líderes que buscavam os direitos de igualdade entre brancos e negros por vias distintas. Enquanto Malcom X pregava a luta armada, assim como os Panteras Negras, Martin Luther King buscava o entendimento e a negociação pacífica.
Um dos momentos fortes é a entrevista que Angela Davis, professora e intelectual negra, dá para um jornalista sueco dentro da prisão (ela ficou dois anos presa, acusada de participar de sequestro, conspiração e homicídio, mas foi inocentada). O repórter argumenta sobre os atos violentos dos quais ela participou, mas Angela rebate e diz não entender a pergunta, pois desde pequena conviveu com todo tipo de violência contra os negros e nunca ninguém questionou por que eles sofriam com a intolerância.
Pelo viés de documentários políticos, a safra da 16ª edição promete. Não deixe de ver a mostra dedicada à cineasta russa Marina Goldovskaya. Ela celebra os seus 70 anos com a exibição de nove documentários, entre eles O Gosto Amargo da Liberdade, inédito no Brasil, sobre a jornalista Anna Politkovskaya, assassinada em 2006 por questionar os desmandos cometidos pelo governo russo na Tchetchênia. O cinema documental de Marina procurar investigar como o esfacelamento da União Soviética e as consequentes mudanças políticas no país vêm afetando a vida do povo russo.
Serão sete documentários brasileiros inéditos dentro da Mostra Competitiva. Não deixem de ver Tancredo, a Travessia, de Silvio Tendler, que resgata a trajetória política do presidente Tancredo Neves (1910-1985), e o novo filme de Toni Venturi, Vocacional, Uma Aventura Humana, que fala sobre uma experiência revolucionária na educação brasileira, os Ginásios Vocacionais, implantada na cidade de São Paulo e em algumas cidades do interior, em 1961. O projeto foi coordenado pela pedagoga Maria Nilde Mascellani (1931-1999).
O diretor Toni Venturi, que vem alternando sua carreira entre ficção e documentário, estudou na unidade de São Paulo, que usava o método vocacional humanista para ensinar aos seus alunos. “Ali foi uma experiência única e muitos dos alunos que saíram daquele ginásio se destacaram na sociedade. Tínhamos uma visão, além de técnica, humana. E esses ensinamentos humanos moldaram as mentes de quem estudou naquela escola”, contou o diretor para o site da Brasileiros, na sessão de abertura do É Tudo Verdade. O experimento educacional implementado por Maria Nilde Mascellani foi extinto em 1969, e Maria foi presa, juntamente com outros professores e educadores. A pedagoga dedicou a vida inteira à Educação Popular e tornou-se doutora em pedagogia em 1999, dois meses antes de morrer, de ataque cardíaco. Uma mulher exemplar. Quem quiser ver outras histórias e vidas exemplares, não perca a 16ª edição do É Tudo Verdade.
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