Martín Chambi (1891-1973) é considerado o primeiro fotógrafo indígena latino-americano. Mais importante do que isso, é notar em suas fotografias realizadas nos primeiros anos do século 20, em cidades como Arequipa e Cuzco, no Peru, sua sensibilidade ao utilizar a fotografia como forma de transformação, de denúncia, de registro e mesmo a serviço de um olhar já construído e predeterminado. É nítido reparar as diferenças de olhares entre o fotógrafo que retrata seu entorno e usa a fotografia para criar uma identidade indígena do que retrata uma burguesia que quer ser registrada, a exemplo de imagens europeias. Ele dominava a luz – estudou por muito tempo os quadros de Rembrandt –, aprendeu a fotografar no estúdio dos irmãos Vargas, mas Arequipa era pequena para ele, limitando sua vontade de falar, de se expressar por meio da imagem.
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Chambi seguiu para Cuzco e lá iniciou seu trabalho de registrar seu povo com altivez e dignidade. Conhecidas são suas fotografias ao lado de um asno, caminhando pelos Andes, registrando a paisagem e seus personagens, assim como conhecidos são seus autorretratos. Magistral é sua luz, seus contrastes à poética de suas imagens numa época em que a fotografia ainda era mais aliada à técnica que à poesia.
Muito já vimos de Martín Chambi desde os anos 1970, mas agora a Galeria FASS nos apresenta 24 fotografias inéditas, selecionadas por seu neto, Téo Chambi, atualmente curador do acervo fotográfico do avô. São imagens realizadas entre 1927 e 1943, que retratam seu cotidiano, sua vida familiar, paisagens e retratos. Imagens que com o tempo extrapolam a vida íntima e se tornam documento histórico, por nos trazer os costumes de uma época. Mas tem também retratos como os das banhistas em uma piscina pública em Arequipa ou de damas cusquenhas no jardim. Ou o autorretrato em Machu Picchu. Aliás, Chambi foi o primeiro fotógrafo a registrar o local.
Em suas imagens, a essência da fotografia pura se sustenta por si só, sem necessidade de explicações ou efeitos mirabolantes. Uma fotografia que, apesar das limitações tecnológicas de uma época, quebra regras preestabelecidas e não se fixa a nenhuma estética dominante do momento. Imagens que não precisam ser definidas e nem enquadradas.
Uma fotografia de uma época construída apenas pelo olhar atento de Martín Chambi, que monta seus diálogos imagéticos, usando como matéria-prima a luz e sua concepção de mundo.
Dentro do panorama de seu tempo e da história da fotografia, as imagens de Chambi se destacam, se tornam pioneiras, traçando uma estética própria. Como se ele tivesse desde cedo percebido que é justamente a estética que é a formadora de discurso, que é ela que dá tom, o ritmo ao que percebemos. Imagens metafóricas, sintéticas que, vistas isoladamente, possuem força e se sustentam, mas quando reunidas em uma exposição ou em um livro acabam por se tornar um grande romance latino-americano.
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