Clássicos malditos

Escritores malditos, transgressores e “udigrudis” em geral estão de casa nova. É o Má Companhia, novo selo da Companhia das Letras especializado em Literatura Marginal. Dois nomes abrem a nova coleção: Marçal Aquino, com O Invasor, e Reinaldo Moraes, que tem duas obras reeditadas em um único volume, Tanto Faz & Abacaxi. Todos fenômenos de venda e esgotados até em sebos – coisa rara, tratando-se de literatura.

O lançamento também foi em dose dupla: um bate-papo na Livraria da Vila e um segundo tempo, bem ao estilo dos livros, no bar Mercearia São Pedro, regado a muita cerveja, ambos na Vila Madalena, em São Paulo. Marçal Aquino se mandou logo, viajava cedo no dia seguinte, Reinaldo Moraes ficou até mais tarde. Tanto que, no dia seguinte, “a ressaca parecia uma África em chamas”, disse ele por e-mail.
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Aquino reencontrou, entre outros, o parceiro de aventuras cinematográficas, Beto Brant, companheiro de longa data e de vários projetos (Os Matadores, Ação entre Amigos, entre outros). Foi ele que, após ler um terço do manuscrito ainda incompleto de O Invasor, convenceu Aquino a colocar o livro na gaveta e partir direto para o filme, subvertendo a ordem comum – primeiro o livro, depois o filme.

“Ele me convidou para escrever o roteiro e eu abandonei o livro por cinco anos”, conta Aquino. “Só voltei a ele no começo de 2002.” A volta ao texto não foi nada fácil. “Eu sabia demais sobre a história. Não via graça em contar de novo.” O escritor lembra que não foi a primeira vez que aconteceu essa inversão da ordem.

“O argumento do Ação entre Amigos tinha nascido de um projeto de romance que eu tinha e que deixei de lado quando virou roteiro”, revela. Brant não queria ver a história se repetir e, após muitos conselhos, conseguiu fazer com que o escritor topasse voltar ao texto de O Invasor, que havia começado a escrever em 1997.

Um conflito entre três sócios de uma empresa é o ponto de partida de O Invasor. O que vem em seguida é uma trama sórdida e violenta, ambientada em São Paulo. A pegada cinematográfica do livro é inegável, tanto que rendeu um longa premiado, marcando a estreia do titã Paulo Miklos como ator. E outro filme deve vir por aí. Uma produtora francesa pretende fazer um remake de O Invasor.

“Eu sou e vou sempre ser um escritor”

Apesar da mão boa para o cinema, o autor afirma que a telona nunca foi sua maior fonte de inspiração. “Quando tenho alguma ideia, sempre penso: dá um conto. Ou um romance. Ou algo assim, necessariamente literário. Nunca penso em cinema de antemão”, diz. “Eu sou e vou sempre ser um escritor. Faço roteiros com muito prazer, é uma forma instigante de contar uma história, de se aventurar em outras linguagens, mas minha casa é a literatura.”

A paixão pelos livros começou cedo, por volta dos nove anos, e logo ele começou a escrever. O talento para a narrativa o levou para o jornalismo, profissão que, além de ser uma grande aventura, ajudou a moldar a escrita. “Fui repórter policial, visitei o submundo. Foi uma prática que fez muito bem para a minha literatura.”

No caso do cinema e da TV, Aquino diz que foi por acaso. “Em matéria de atividade economicamente inviável, achei que já me bastava a literatura.” Mas o encontro fortuito já rendeu sete filmes e, na televisão, desde 2008, assina os roteiros do seriado policial Força Tarefa, junto com Fernando Bonassi. A terceira temporada da série deve ir ao ar a partir de outubro.

No cinema, outro filme está para sair do forno: a versão de Beto Brant para o Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios, também de Aquino, com Camila Pitanga no elenco. O escritor também promete livro novo. Até o final do ano, deve estar pronta a novela Como se o Mundo Fosse um Bom Lugar.

Tédio e tequila na Tacolândia

Também disputados a tapa em sebos de todos os cantos, Tanto Faz, de 1981, e Abacaxi, de 1985, ganham reedição retocada pelo autor, Reinaldo Moraes. Além da pornografia de sempre, nos dois romances o autor injeta boas doses de referências pop. “Tem rock, literatura, filmes, mas em uma escrita de figurino literário misto, incluindo machadões, andrades, drummonds, murilos, millers, fitzgeralds, cortázares e a gibizada toda”, explica Reinaldo Moraes.

Em Tanto Faz, o autor narra as aventuras de um jovem que abandona o emprego enfadonho em São Paulo para estudar em Paris. Mas o que seria um curso de “planificação econômica”, se torna uma pós-graduação em libertinagem, temperada com generosas doses de álcool, haxixe e outras drogas. A inspiração, claro, veio de sua própria experiência.

Em 1979, Moraes embarcou para a capital francesa após ganhar uma bolsa de estudos. Depois de um ano, na volta para casa, duas paradas, uma em Nova York, outra no Rio. E outro livro, o Abacaxi. O sexo, pra variar, escorre pelas páginas.

Viagens, aliás, são constantes no currículo de Moraes. Recentemente, esteve zanzando pelo México durante 30 dias. Missão: escrever uma história de amor para o projeto Amores Expressos, também da Companhia das Letras. “O romance está caminho”, avisa. Ao ser questionado sobre se aproveitou a jornada para degustar cogumelos psicodélicos, ele responde. “Sem cogumelos. Só tédio e tequila na Tacolândia.”

Acento agudo

Enquanto caçava seu romance mexicano, o incansável andarilho das letras também revisava freneticamente o seu Pornopopéia (Editora Objetiva, 2009), mais um mergulho insano nas drogas, no álcool e no sexo.

O livro, esgotado desde dezembro, ganhou uma terceira edição, alcançando a invejável marca de 4.500 exemplares impressos. Outra edição, de 4 mil exemplares, em formato de bolso, chega esse mês às livrarias.

O escritor é conhecido por revisar infinitamente seus livros. Mas em um detalhe ele não topou mexer: no acento agudo de Pornopopéia. Não conformado com a nova ortografia da língua portuguesa, Moraes bateu o pé e manteve o acento na marra. “Acento tem de seguir regras fonéticas naturais, que há muito já estavam convencionadas entre os lusófonos”.


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