No próximo mês, a Comissão de Integridade na Atividade Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vai examinar quatro denúncias de fraude em pesquisas científicas no Brasil. Essa será a primeira reunião da comissão instituída no ano passado e que funcionará como auxiliar à diretoria executiva do CNPq.
Os processos estão sendo analisados sob sigilo pelas áreas técnicas do CNPq. A comissão foi criada para apurar se ocorreram, em pesquisas conduzidas no país, casos de falsificação e invenção de dados, plágio e auto-plágio (quando o autor repete texto escrito e publica como fosse inédito).
De acordo com Paulo Sérgio Lacerda Beirão, coordenador da comissão e diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq, o problema “sempre existiu”, mas “deixou de ser pontual e passou a ser um problema que as agências e os institutos de pesquisa têm que cuidar”.
Beirão avalia que a aparição dessas denúncias já é efeito da criação da comissão e destaca que o número de acusações é baixo levando-se em conta que o CNPq lida com 21 mil bolsistas. “Não é um número proporcionalmente significativo, mas é significativo que haja denúncias”, avaliou.
Se for comprovado algum problema em parecer técnico apreciado pela comissão, poderá ser sugerida à direção do CNPq desde a advertência do autor e correção de erro até a suspensão de bolsas e financiamentos concedidos pelo conselho.
Eventualmente, um processo administrativo poderá ser levado à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU) para tomada de contas especial, que apura responsabilidades (com direito de resposta) por ocorrência de dano e visa ao ressarcimento à administração pública. Responsáveis pelo problema poderão até ser inscritos no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin).
Segundo Beirão, as fraudes nas pesquisas tendem a ser desmascaradas. “A virtude da ciência é que nada é tomado como definitivo, sempre estão verificando”, apontou. Ele ponderou, no entanto, que, até a descoberta da fraude, a produção científica pode ser induzida ao erro. “Isso implica em custo, em desvio. [A pesquisa] Começa a investigar uma linha que, na verdade, está errada. Está desperdiçando recurso humano, tempo, dinheiro”.
O diretor do CNPq observa que a ocorrência de fraudes em pesquisas científicas existe há alguns anos e em várias partes do mundo, não é algo novo. “A pesquisa científica é uma atividade sujeita às grandezas e vilezas [baixeza] do ser humano”, enfatizou.
Relatório da comissão de integridade disponível no site do CNPq enumera vários casos de fraude pelo mundo, entre eles o caso do Homem de Pitdown, “uma montagem de ossos humanos e de orangotango [falsamente descoberta no início do século 20, na Inglaterra] convenientemente manipulados, que alegadamente, seria ‘o elo perdido’ na evolução da humanidade”. A farsa foi descoberta na década de 1950, quando foi possível fazer a datação da mandíbula e do crânio por meio de carbono radioativo e descobrir que os ossos tinham origens diferentes.
O CNPq faz parte, como membro da comissão executiva, do Global Research Council, órgão internacional recentemente criado pelas principais agências de fomento à pesquisa no mundo para, entre outras funções, tratar de problemas de integridade das investigações científicas em todo o planeta. Em maio do ano que vem, em Berlim, a capital alemã, o Global Research Council elaborará um documento que poderá servir para todas as agências como referência de normas contra a fraude científica.
Além de Beirão, fazem parte da comissão Jailson Bittencourt de Andrade (Universidade Federal da Bahia); Silke Weber (Universidade Federal de Pernambuco); Alaor Silvério Chaves (Universidade Federal de Minas Gerais); e Walter Colli (Universidade de São Paulo).
Agência Brasil
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