Cobrança de imposto sobre o lucro bancaria dois pacotaços de Dilma

Tributação dos lucros e dividendos “é uma alternativa viável para um ajuste fiscal que penalize menos as camadas mais pobres” - Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Tributação dos lucros “é alternativa para um ajuste fiscal que penalize menos os mais pobres” – Marcello Casal Jr/EBC

Em tempos de crise econômica, o Brasil vem recorrendo a cortes em programas sociais, suspendendo o reajuste salarial de funcionários públicos e tirando dinheiro até da área da saúde. O pacotaço anunciado pelo governo federal há duas semanas prevê uma economia de R$ 26 bilhões. Esse dinheiro, no entanto, poderia ser arrecadado se a renda dos 71 mil empresários mais ricos do Brasil fosse tributada, como acontece em 32 dos 34 países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma instituição internacional que reúne nações que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado.

Somente Brasil e Estônia não tributam o lucro dos empresários. Nesses países, apenas a renda do assalariado é taxada. Membro de políticas macroeconômicas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Rodrigo Octávio Orair foi um dos pesquisadores que mediram o tamanho do impacto dessa tributação, que existia no Brasil, mas foi revogada em 1995: “Estimamos um potencial de arrecadação de R$ 50 bilhões”, disse ele em entrevista à Brasileiros. “Caso fossem tributados pelas atuais alíquotas do imposto de renda, estimamos um potencial ainda maior, de R$ 67,2 bilhões.”

Orair acredita que a tributação dos lucros e dividendos “é uma alternativa viável para um ajuste fiscal que penalize menos as camadas mais pobres”. Sobre a recriação da CPMF, o imposto sobre transações bancárias, o pesquisador avalia que o prejuízo também recairá sobre os mais pobres. “As empresas pagam esse imposto nas várias etapas da produção. A CPMF é um custo que vai se acumulando e será repassado para o consumidor final. Quem arcará com a maior parte deste prejuízo?”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

BrasileirosO estudo do Ipea indica que a tributação de lucros pode render R$ 50 bilhões por ano aos cofres públicos. Como se chegou a esse número?

Rodrigo Octávio Orair – O volume de lucros e dividendos distribuídos para pessoas físicas no Brasil foi de R$ 287,3 bilhões no ano de 2013. Esse valor é totalmente isento de imposto. Estimamos um potencial de arrecadação de R$ 50 bilhões ou 0,84% do PIB no ano de 2015 ao utilizar uma alíquota linear de 15%, como vigorava até 1995, e considerando uma projeção conservadora de crescimento no volume desses lucros e dividendos. Caso fossem tributados pelas atuais alíquotas progressivas da tabela do imposto de renda, estimamos um potencial de arrecadação ainda maior, de R$ 67,2 bilhões ou 1,14% do PIB.

Além da Estônia, o Brasil é o único país da OCDE que não tributa lucros e dividendos. Falta pressão popular ou esclarecimento da população?

Faltam líderes políticos que promovam esse debate com a sociedade.

Por que a tributação sobre o consumo prejudica os mais pobres?

Os impostos podem ser divididos em dois grupos: diretos e indiretos. O imposto de renda da pessoa física é um exemplo de imposto direto. Ele é mais visível. Incide sobre a nosso salário. Mas existem uma série de impostos indiretos sobre os bens e serviços que são invisíveis. Quando vamos ao supermercado e compramos um determinado produto, seu preço embute vários impostos pagos que são repassados para o consumidor (Pis/Cofins, ICMS, IPI etc).

E qual o problema disso?

Os impostos indiretos não diferenciam a capacidade de pagamento de cada consumidor. Se você for pobre ou rico, pagará a mesma quantia de imposto. Acontece que os mais pobres precisam consumir quase toda sua renda para suprir as necessidades mais básicas. Os ricos podem ter o luxo de guardar a maior parte da sua renda. No final das contas, os mais pobres arcam com uma parcela maior da sua renda em consumo e, portanto, em impostos indiretos. A tributação direta pode minimizar essa iniquidade ao estabelecer alíquotas progressivas: os mais pobres são isentos e, quanto mais rico, maior a alíquota do imposto de renda. Aí vem outro problema. No Brasil, a maior parte da renda dos muitos ricos também é isenta de imposto de renda.

E como é nos países desenvolvidos?

A carga tributária brasileira foi de 33,4% do PIB em 2014: 15,7% em impostos sobre bens e serviços, 9,6% sobre a folha de pagamento e 8,1% de impostos sobre a renda e a propriedade. O nível equivale à média dos países da OCDE, por volta de 34% do PIB. Mas nestes países a composição é muito distinta: impostos sobre bens e serviços são 11,5% do PIB, impostos sobre a folha 9,2% e impostos sobre a renda e a propriedade chegam a 13,0% do PIB. Ou seja, tributamos relativamente pouco a renda, principalmente dos mais ricos, e sobretaxamos o consumo. Além disso, a isenção total de lucros e dividendos é uma prática pouco usual. Com paralelo somente na Estônia.

Qual a sua sugestão de mudança no Imposto de Renda para que classe média alta pague proporcionalmente menos impostos do que os muito ricos?

A reinstituição da tributação de lucros e dividendos. Atualmente, as alíquotas efetivas médias do imposto de renda da pessoa física crescem até algo em torno de 11,8% para a classe média alta, que são cerca de 1,5 milhões de pessoas com rendimentos médios anuais de R$ 226 mil. No topo essas alíquotas começam a cair até cerca de 6,7% entre os 71 mil contribuintes mais ricos, que recebem acima de R$ 1,3 milhão por ano.

Esses 71 mil contribuintes mais ricos do Brasil pagam que tipo de imposto?

Os rendimentos recebem três tratamentos tributários no imposto de renda. Existem os chamados tributáveis como salários, aposentadorias e aluguéis. Estes serão submetidos à tabela progressiva do imposto de renda. Se o cidadão recebe um salário muito alto ou aluguéis elevados, sua alíquota se aproximará da alíquota máxima de 27,5%. Mas também existem rendimentos tributados exclusivamente na fonte como, por exemplo, os rendimentos de aplicações financeiras. O mais comum nesse caso são alíquotas próximas a 15%. Por fim, existem os rendimentos isentos, que não pagam imposto. Somando as três fontes, a alíquota média dos muito ricos será de 6,7%. Isso porque uma pequena parcela da sua renda será tributada a 27,5%. A maior parte vem de aplicações financeiras, pagando em média 17% de imposto, ou lucros e dividendos, que são isentos.

Essa tributação poderia evitar cortes sociais?

A tributação dos lucros e dividendos é uma alternativa viável para um ajuste fiscal no curto prazo que penalize menos as camadas mais pobres. Mas seria importante que no médio prazo esses recursos adicionais fossem canalizados para uma reforma tributária mais ampla que reduzisse alíquotas e distorções da nossa carga tributária.

A volta da CPMF não atinge principalmente os mais ricos, por movimentarem mais dinheiro em suas contas?

A CPMF é um tributo indireto e cumulativo que incide sobre os serviços financeiros. As empresas pagam esse imposto nas várias etapas da produção. Por exemplo, a compra e venda de algodão envolverá uma transação financeira e a CPMF será um custo adicional. O mesmo ocorrerá quando a tecelagem vender os fios para a malharia, quando a malharia vender para a fábrica de camisetas, quando a fábrica vender para o comerciante e quando o comerciante vender para o consumidor final. Ou seja, a CPMF é um custo que vai se acumulando e será repassado para o consumidor final. Quem arcará com a maior parte deste prejuízo? Novamente os mais pobres que consomem a maior parte da sua renda.


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