Entre os dias 26 e 30 de novembro, São Paulo sediará o Fórum Mundial de Bienais n° 2, que reunirá representantes de mais de cem mostras internacionais. Idealizado pela Biennial Foundation, instituição holandesa sem fins lucrativos, o evento tem como apoiadores locais o ICCo – Instituto de Cultura Contemporânea e a Fundação Bienal. A ARTE!Brasileiros é parceira de mídia do fórum. A seguir, entrevista com o filósofo Peter Osborne, que fará a palestra de abertura.
ARTE!Brasileiros — Estamos a poucos dias do 25o aniversário da queda do Muro de Berlim. Você já havia mencionado isso na sua palestra “Expecting the Unexpected: Once more on the Horizon of Expectations”’. Você acha que esse fato influenciou o desenvolvimento da arte contemporânea?
Peter Osborne – Sim, com certeza, pois o colapso do comunismo na Europa Oriental foi um entre vários eventos, simbolizados pelo ano 1989, que mudaram a estrutura geopolítica dos acontecimentos históricos e introduziram um novo tipo de tempo na história: o tempo da “contemporaneidade“. O desenvolvimento de um sistema de arte global, baseado em uma estrutura de bienais em rede, fez com que a arte contemporânea se tornasse um símbolo dessa nova forma global de capitalismo transnacional e desse tempo que ela criou. As práticas artísticas que se encaixam no termo “contemporâneo” em seu novo sentido histórico refletem e expressam os aspectos desse sistema por meio de suas experiências.
Você ensina e publica escritos sobre filosofia europeia moderna e filosofia da arte moderna e contemporânea, com ênfase na arte conceitual. Comparada a outras tendências artísticas, de que maneira a arte conceitual é mais adequada para expressar a filosofia europeia moderna?
A arte conceitual não tem nenhuma relação expressiva com a filosofia, seja enquanto movimento histórico canônico dos anos 1960 e início dos anos 70 ou como uma prática mais generalizada de arte contemporânea. Longe disso. Se houvesse qualquer relação, seja de caráter disciplinar ou institucionalizado, entre a arte conceitual canônica e a filosofia, seria com a filosofia da linguagem analítica anglo-americana do britânico A.J. Ayer, exemplificada pela obra de Joseph Kosuth. Esse tipo de filosofia é a antítese do que nós chamamos de filosofia moderna ou pós-Kantiana europeia (alguns a chamam de continental) no nosso centro de pesquisas. Nós seguimos a tradição de Kant, Hegel, Marx, Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger, Benjamin, Adorno e a filosofia francesa contemporânea. Essa tradição rejeita a restrição da filosofia a uma análise lógica da linguagem e acredita em uma versão moderna crítica de suas funções metafísica-clássica e político-educativa.
De qualquer forma, a arte conceitual não expressa posições políticas, ela usa o discurso filosófico como material artístico e crítico de maneiras diferentes. Essa relação é mais complicada do que você está sugerindo. Na minha opinião crítica, toda arte genuinamente contemporânea é pós-conceitual.
Você coordenou uma série de Salões Literários na Bienal de Veneza de 2011, nos quais grandes pensadores discutiram o significado de esperança na sociedade contemporânea. Você acha que a esperança é o único sentimento capaz de evitar a dissolução da nossa sociedade?
Bem, na verdade eles discutiram o estado das coisas: a questão existencial do presente. Alguns acham que a esperança faz parte disso, enquanto outros não. Eu não ponho muita fé na esperança. Afinal, esse foi o slogan eleitoral do Obama antes do seu primeiro mandato como Presidente dos EUA. Embora ele tenha sido eleito, as esperanças não foram concretizadas. O filósofo e critico alemão Walter Benjamin gostava do comentário de Kafka, de que a esperança só serve para os desesperançados. Eu acho que as coisas ainda não estão tão desesperadoras a ponto de pararmos de agir e ter de recorrer à esperança.
Em sua opinião, exposições de arte como as bienais no mundo todo conseguem representar a transdisciplinaridade, a estética, a base conceitual do comparativismo global e a ontologia da arte contemporânea?
Você está listando uma série de questões críticas abordadas por grande parte das obras de arte exibida nas bienais que, por sua vez, se esforçam para entender esse tipo de arte e expressar essa compreensão aos outros como parte da generalização da experiência dessa arte. O formato da bienal é uma infraestrutura, um dispositivo de entrega, assim por dizer, dos mais sofisticados. No entanto, a bienal é parte integrante do mercado de arte (com sua necessidade por modismos) e das políticas nacionais, regionais e municipais. Ela não é essencialmente uma instituição crítica – embora às vezes funcione de forma crítica, tanto em nível intelectual quanto político. Esse é o desafio dos seus curadores: tentar manter-se crítico e criativo e ao mesmo tempo, cumprir objetivos funcionais imprescindíveis.
Qual é a importância da América do Sul, e mais especificamente do Brasil, nesse contexto?
A América do Sul, especialmente o Brasil, vive um momento de transição crucial na sua história em relação a sua posição no sistema global e a seu desenvolvimento interno enquanto sociedade capitalista que almeja combinar desenvolvimento econômico com princípios de justiça social. No entanto, não é uma tarefa fácil nos dias de hoje. Essa região sempre teve um significado simbólico para a esquerda global, principalmente após a Revolução Cubana e, recentemente, no período pós-ditadura. A América do Sul sempre foi palco de intensas lutas sociais e para que continuem sendo contemporâneas, as bienais têm o dever de refletir e articular essas lutas e o significado histórico e simbólico que elas possuem.
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