Classe média sofre
Depois de causar furor por onde passou, o pernambucano O Som ao Redor chega ao circuito comercial. Só no Brasil, o longa faturou prêmios nos festivais de Gramado e Rio de Janeiro e na Mostra Internacional de São Paulo. Estranhamente, foi ignorado pela curadoria do Festival de Brasília. No exterior, levou o prêmio da crítica internacional no Festival de Roterdã e, em Nova York, foi um verdadeiro hit do circuito alternativo. A fita se esquiva das fórmulas prontas do cinema nacional – o favela movie e o humor televisivo importado para a tela grande – e a aposta em situações do cotidiano, que beiram o banal, pinceladas com humor negro e suspense. Longe do eixo Rio-São Paulo, o filme se passa em uma rua de um bairro nobre de Recife que convive com a insegurança e a violência. Para resolver o problema, os moradores contratam os serviços de uma milícia armada encabeçada por Clodoaldo (Irandhir Santos, de Febre do Rato). Original e inquietante, O Som ao Redor faz um retrato da desigualdade social por meio do fenômeno da verticalização urbana. Os arranha-céus que se multiplicam nos horizontes das grandes metrópoles apenas atualizam as injustas relações entre casa grande e senzala, parece afirmar o realizador, Kleber Mendonça Filho, ele mesmo um ex-crítico de cinema. Certamente, o melhor filme nacional de 2012 e um exemplo de que o audiovisual brasileiro ainda revela bons nomes e surpresas.
Tarantella de Tarantino
Este também é o mês de estreia do aguardado Django Livre, primeiro trabalho de Quentin Tarantino desde o celebrado Bastardos Inglórios (2009). Se em trabalhos anteriores o cultuado diretor teve a oportunidade de homenagear o blaxploitation, os filmes de baixo orçamento e de artes marciais, em sua fita mais recente, ele salda sua dívida com o western spaghetti, o nosso bangue-bangue. Em Django Livre, Tarantino aborda sem eufemismos a escravidão negra. O personagem-título do longa, vivido por Jamie Foxx, é um escravo promovido que sai em busca de sua mulher, raptada por um fazendeiro. Mais que uma simples história de vingança, um dos temas favoritos do cineasta, o roteiro do longa é um pretexto para Tarantino usar e abusar de sua mescla de ultraviolência e humor ácido emoldurada por referências pop. Também notável diretor de atores, ele arrancou de Leonardo DiCaprio e Christoph Waltz atuações acima da média. Sem dúvida, um hit.
A morte cansada
Figurinha carimbada no Festival de Cannes, Michael Haneke levou no ano passado sua segunda Palma de Ouro por este excepcional Amor e segue como um dos favoritos à disputa do Oscar de melhor filme estrangeiro. Assim como em Caché (2005) e A Fita Branca (2009), que também lhe valeram prêmios, o diretor parece buscar a radiografia definitiva dos compartimentos secretos da natureza humana. A começar pela premissa, Amor não é uma fita de fácil digestão: os octogenários Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva, de Hiroshima, Meu Amor, em espetacular atuação) são casados há décadas e vivem da música. A pacata rotina do casal só é interrompida pelo abalo na saúde da idosa, que sofre de Alzheimer. O marido decide, então, cuidar sozinho de sua companheira de anos. Junto da filha (Isabelle Huppert), que faz visitas esporádicas, é o único a presenciar a gradual decadência física da amada. Tão perturbador quanto belo, o filme faz um retrato fiel da solidão na terceira idade. É sintomático que as únicas paisagens do filme sejam as das telas que enfeitam o apartamento do casal, agora obrigado a se recolher num lar convertido em prisão e espiar a vida que segue pelas janelas. Econômico nos personagens e diálogos, Haneke testa os sentimentos de um casal inseparável e põe à prova as emoções da plateia. Prepare-se.
Exorcismo em romeno
Houve certo exagero ao premiar com a Palma de Ouro as atrizes Cosmina Stratan e Cristina Flutur na última edição do Festival de Cannes. Ainda que suas atuações cheias de sutilezas engrandeçam Além das Montanhas, seu trabalho não se compara ao brilhantismo de Emmanuelle Riva em Amor, de Michael Haneke. No longa do romeno Cristian Mungiu (Contos da Era Dourada), a dupla de atrizes interpreta Alina e Voichita, amigas inseparáveis desde a infância passada em um orfanato. Com a chegada da adolescência, elas tomam rumos diferentes: Alina viaja para a Alemanha, e Voichita torna-se freira na Romênia. Com saudades da amiga, Alina decide ir visitá-la em seu retiro, disposta a trazê-la de volta ao seu convívio. Começa, então, uma série de atritos entre a jovem rebelde vinda do exterior e a ortodoxa comunidade religiosa que culminará com um doloroso exorcismo. De nuances e sutilezas, a narrativa é conduzida por Mungiu com frieza e distância, o que confere ao filme um realismo raramente visto. Sem apelar ao maniqueísmo, o realizador permite que o espectador tire suas conclusões sobre a natureza da relação entre as duas garotas.
Verão escaldante
Ator alçado a novo fetiche do cinema francês, Louis Garrel, aos 29 anos, já tem uma carreira relevante o suficiente para ganhar uma retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo. As exibições de fitas protagonizadas pelo belo começam no dia 9 e se prolongam até o dia 27. Na programação, longas assinados por Bernardo Bertolucci (Os Sonhadores), seu pai Philippe Garrel (Amantes Constantes), e Christophe Honoré: (A Bela Junie, As Bem Amadas), com quem o ator frequentemente colabora, e o jovem Xavier Dolan (Amores Imaginários). A seleção completa pode ser encontrada em bb.com.br/cultura.
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