Chega aos cinemas, em 30 de outubro, o documentário Alô, Alô, Terezinha!, do diretor Nelson Hoineff, premiado como melhor filme e melhor montagem no 13o Cine PE Festival do Audiovisual do Recife. O longa-metragem mostra a história de um dos mais importantes nomes da televisão brasileira, o pernambucano de Surubim, José Abelardo Barbosa de Medeiros, mais conhecido como Chacrinha. O apelido vem do programa que apresentou em 1943, O Rei Momo na Chacrinha (depois rebatizado de Cassino do Chacrinha), na rádio Clube de Niterói, que ficava em uma chácara onde ele simulava entrevistas com artistas famosos, recriava efeitos sonoros de um cassino e se valia do ruído ambiente de vacas, galos e outros animais. “O filme transita no universo chacriniano através do próprio Chacrinha e dos calouros, das chacretes e dos artistas que passaram pelos programas e, com muita frequência, dialogam consigo mesmos, com diferença de mais de 20 anos”, diz Hoineff. As imagens foram montadas como uma espécie de grande programa de televisão, com a participação de ídolos da música brasileira, como Roberto Carlos, Sidney Magal, Wanderley Cardoso, Gretchen, Wanderléa e Gilberto Gil, que homenageou o apresentador na música Aquele Abraço.
Nascido em 30 de setembro de 1917, Abelardo Barbosa fez grande sucesso no rádio e estreou na televisão em 1956, na TV Tupi, com os programas Rancho Alegre e Discoteca do Chacrinha. Depois, ele passou pelas TVs Rio, Bandeirantes e Globo, onde comandou Buzina do Chacrinha e Cassino do Chacrinha. Foi com este último, que o Velho Guerreiro conquistou grande audiência nas tardes de sábados e permaneceu à frente da TV praticamente até morrer, em 30 de junho de 1988, aos 70 anos, vítima de enfarto do miocárdio e de insuficiência respiratória, em função de câncer no pulmão.
“Balançando a pança e comandando a massa”, como cantou Gilberto Gil, o Velho Guerreiro era uma figura anárquica e emblemática, a começar por seu irreverente figurino, que incluía cartola e roupas coloridas, e a irresistível buzina, utilizada principalmente para desclassificar os calouros, premiados com um singelo abacaxi. Rodeado de sensuais dançarinas apelidadas chacretes, o apresentador criou marchinhas de carnaval (Maria Sapatão e Bota Camisinha) e inúmeros bordões, como “Quem não se comunica, se trumbica”, “Vai para o trono, ou não vai?” e “Eu vim para confundir, não para explicar”.
“O Chacrinha não é apenas um fenômeno brasileiro. Igual ou parecido com ele eu não conheci nada no mundo. Ninguém que tivesse tanta loucura e tanta lucidez ao mesmo tempo. Primeiro, o Chacrinha teve inteligência intuitiva na criação do seu próprio personagem. Depois, tinha capacidade de perceber o futuro, ou seja, ele era antenado e por isso estava sempre muito a frente dos acontecimentos artísticos. Além disso, tinha uma impressionante capacidade de trabalho. O ambiente na hora de seus programas tinha de ser o mais profissional e organizado do mundo. O Chacrinha sempre dizia: ‘Quero tudo no lugar para eu poder desarrumar’”, conta José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Vice-presidente de operações da TV Globo durante 30 anos, ele foi um dos responsáveis pela volta do apresentador à emissora.
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“Assumido pelos tropicalistas como um de seus ícones, Chacrinha conseguiu entrar em salões mais letrados. Ele é talvez o exemplo mais significativo da tradição radiofônica transposta para a TV, a qual trouxe improviso e irreverência, marcas fortes do programa de rádio que conduzia. Com isso, ele sacudia também o “bom mocismo” careta dos demais programas de auditório da época. Mas não resistiu ao rigor moralista da ditadura. Pelo tamanho de um biquíni (cujo pano daria para fazer uns seis, segundo a moda atual), uma das chacretes foi conduzida à Polícia Federal. Também não resistiu aos compromissos políticos e comerciais dos seus patrões, temerosos de que seu programa pudesse pôr em risco os interesses firmados nessas relações”, lembra o professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Laurindo Lalo Leal Filho, que, no fim da década de 1960, então jovem repórter esportivo da TV Globo, foi convidado por Chacrinha para ajudar na produção de seu programa.
“A marca mais importante dele é a da transgressão. Ele foi politicamente errado em tudo. Com isso, arejou a televisão aberta brasileira como nunca foi feito depois. Não deixou seguidores”, opina Hoineff. “O Chacrinha foi e continuará sendo único. Poderia ser possível imitá-lo, mas jamais seria autêntico. Ninguém aceitaria uma cópia de um gênio como ele. Ainda bem que ninguém tentou. Nosso país, em todos os campos, tem poucos talentos. Também quando aparece algum, vem com força total, seja na ciência, na política, nos esportes ou nas artes. Chacrinha é um desses casos e ficar sem um talento como o dele foi uma perda lastimável. A televisão brasileira ficou capenga sem a alegria e a anarquia natural do Velho Guerreiro”, acrescenta Boni.
Opinião semelhante tem Leal Filho, que acredita que a televisão brasileira perdeu principalmente na espontaneidade. “O que sobrou de improviso resume-se à violência dos apresentadores de programas policialescos ou de medíocres programas de auditório, em que o humor circense do Chacrinha cedeu lugar ao apelo fácil dos dramas privados (reais ou fictícios) trazidos a público. Mas é preciso deixar claro que os tempos da ‘Discoteca’ eram outros. Os programas de auditório (especialmente do Chacrinha e do Silvio Santos) tinham algo de quermesse do interior e serviam como forma de adaptação cultural aos migrantes que chegavam às cidades. Hoje, com mais de 80% da população nas cidades, a função adaptatória da TV deixou de existir. Ela se resume ao papel diversionista de preencher espaços simbólicos da população com o irrelevante e o grotesco, deixando de lado o pensamento crítico e a ousadia. Algo que, a seu modo, Chacrinha fazia”, diz Leal Filho.
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