Os livros nos sebos eram baratos nos anos 1970 e 1980. Segundo Ubiratan Machado, a razão era a verticalização das grandes cidades. De mudança para prédios de apartamentos, a classe média deixava para trás os livros.
Os donos de sebos percorriam o obituário dos jornais, contornavam o nome de um eminente catedrático da USP, de um velho causídico da Faculdade de Direito, de um político ilustrado (havia!) e até médicos (eles também liam outrora). Telefonavam às famílias e mandavam uma velha Kombi buscar as obras empoeiradas.
A Estante Virtual, recentemente retratada em reportagem da Brasileiros, modificou o comércio de livros usados. Ficou mais fácil localizar aquilo que procuramos e ficou mais difícil encontrar aquilo que não procurávamos.
Essa era a arte de garimpar os livros. Olhos desatentos nas estantes, às vezes em subsolos insalubres, eis que se topava com um exemplar raro, encadernado em couro, como se fazia antigamente. Sem dinheiro, era possível esconder a raridade literária na estante de Química para buscar depois. Não se esperava preços módicos na Livraria Calil Antiquária, especializada em raros e ainda ativa na capital paulista. Não se esperava preços sequer razoáveis no Brandão, que possuía sebos em São Paulo, Salvador e Recife.
Mas o sebo do senhor Lisboa, um dono de cortiço na Vila Mariana, conservador e de pouca conversa, tinha preciosidades aos preços mais baixos do centro de São Paulo. Certa vez, me atirou, pragmático: “Se quiser ter um sebo, compre antes uma sede. Meus preços são bons porque eu não pago aluguel”.
Nos anos 1990, o Sebo Treze Listras, do senhor Licurgo, colecionador de edições de Os Sertões, tinha andares intermináveis acima e abaixo do nível da rua onde o leitor se perdia facilmente, em corredores malsinados, vizinhos dos “teatros” da Rua Aurora. Havia uma questão mal resolvida com a proprietária do prédio e os preços eram entre módicos e caros. Mas achavam-se facilmente dicionários oitocentistas a bom preço: o Dictionnaire de Bouillet, o de Garnier-Pagès e o Littré.
A Revolução da Informática derrubou os velhos sebos. A maioria virou depósito fechado de livros com exclusiva venda virtual. Outros resistiram, vendendo tanto virtualmente quanto em lojas. Se os custos diminuíram, aumentaram-se os preços. Cada vendedor compara o seu exemplar com outro já oferecido na rede. E mesmo que ele não saiba o valor real de tal edição de Macunaíma, vai chutar para cima o preço.
Ainda assim, a localização em segundos de obra que se sabia existir, mas que nunca se encontrara é uma conquista mágica. É bem verdade que nunca mais o leitor encontrará livros ao acaso e sairá contente pelas ruas do Centro na direção do ponto de ônibus, impaciente para ler a obra que jamais suspeitara existir.
*Professor de História Contemporânea na Universidade de São Paulo.
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