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Uma aula de Cinema, com “C” maiúsculo
No sábado (31), saiu a lista dos 10 filmes escolhidos pelo público, que servirá para que o júri oficial da Mostra escolha o filme que receberá o “Troféu Bandeira Paulista” (para cineastas que fizeram um filme ou dois, no máximo). O único longa brasileiro que consta na relação é Um Homem Qualquer, de Caio Vecchio (mais sobre esse assunto em Notícias da mostra, abaixo). Deixando isso de lado, por enquanto, comentaremos sobre um dos clássicos do cinema nacional, que será exibido amanhã na Mostra. O filme em questão é Eles Não Usam Black-Tie (1981), de Leon Hirszman (cineasta fértil que dirigiu, entre outros, São Bernardo e A Falecida). O filme, baseado numa peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri (que colaborou com Leon no roteiro), fala sobre uma família operária, vividos pelos por Guarnieri, Fernando Montenegro e Carlos Alberto Ricelli, que sobrevive sobre a pressão da precariedade material e do esfacelamento dos sonhos. Pai e filho, que trabalham numa mesma fábrica, se defrontam com uma greve e tomam posições opostas em relação a isso. Enquanto, o pai é a favor da greve, o filho, com o pensamento mais burguês e mais prático, é contra, e fura a manifestação. A mãe fica no meio do confronto, mais apoia o marido. O filme, em tom neo-realista, se centra no conflito entre pai e filho, e de como ele afeta toda a família, desgastando ainda mais as relações entre eles e piorando a já precária situação financeira. Belissimamente interpretado e narrado, Leon usa sua câmera ágil e humana para nos apresentar esse microcosmo triste da realidade brasileira (classe operária da época, e de outras épocas também, pois o texto do Guarnieri foi lançado originalmente em peça, no Teatro de Arena, em 1958). Para os que querem se aventurar a fazer filmes, assistam aos clássicos brasileiros e aprendam a fazer cinema com diretores como Leon Hirszman.
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Eles Não Usam Black-Tie, de Leon Hirszman Unibanco Arteplex 2. Dia 2, às 21h10 Consulte outros dias e horários no site oficial da Mostra, abaixo |
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Nocauteado por si próprio
Não é raro que gênios, sejam da cultura, de outras áreas ou dos esportes, sejam vítimas de si próprios. No esporte, isso acontece com maior freqüência. Que o diga o jogador Diego Maradona, por sinal analisado em um documentário sobre sua vida, dentro da Mostra deste ano (já comentado aqui no site). O ocaso da vez é o pugilista Mike Tyson, retratado no documentário Tyson, de James Toback. No filme, assistimos a descoberta do jovem delinquente Tyson, retirado das ruas e do crime pelas mãos de Cus D’Amato, que lhe ensina a canalizar e educar sua força bruta para o boxe. A partir daí, o pugilista ascende para o estrelato, para o dinheiro, para as mulheres e para os excessos, que ajudam a encurtar sua trajetória. Bem editado e com doses certas de depoimentos e imagens de arquivo, o filme, assim como outros que falam da genialidade de personalidades que vieram da pobreza, nos coloca a seguinte questão: “Por que tantos gênios são conseguem se livrar dos seus passados de misérias, sofrimentos, desamores e recalques?”.
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Tyson, de James Toback Unibanco Arteplex 3. Dia 1, às 23h40 Consulte outros dias e horários no site oficial da Mostra, abaixo |
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O documentário Notas Soltas Sobre Um Homem Só, de Carlos de Moura Ribeiro Mendes, que originalmente derivou-se do projeto “Camargo Guarnieri 3, concertos para violino e a Missão”, vale ser assistido por falar da vida e da obra de um dos mais talentosos compositores eruditos brasileiros, Camargo Guarnieri. Além disso, o filme não será lançado nos cinemas. Feito de uma forma simples e padronizada (com entrevistas de Guarnieri, de compositores e instrumentistas clássicos, e inserções de peças do compositor), o filme revela algumas histórias engraçados de Guarnieri, que não sabia lidar com mentiras, e traz raros depoimentos do próprio, guardados pela sua família.
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Notas Soltas Sobre Um Homem Só, de Carlos de Moura Ribeiro Mendes Espaço Unibanco Pompéia 10. Dia 1, às 16h30 Consulte outros dias e horários no site oficial da Mostra, abaixo |
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Falhas na votação
No sábado pela manhã (no shopping Frei Caneca), foi apresentado à imprensa o júri oficial da Mostra deste ano e foram revelados os 10 filmes escolhidos, pelo voto do público, para serem assistidos e avaliados pelo júri, que irá escolher o melhor filme da Mostra (filmes de diretores que têm um ou dois filmes no currículo). Entre os filmes selecionados, apenas um brasileiro, Um Homem Qualquer, de Caio Vecchio, que eu havia assistido numa sessão lotada no Cinesesc, com presença do elenco, da equipe, do diretor e, principalmente, dos amigos do diretor e de sua equipe. Entrevistei Caio antes da projeção da película. O filme, sem nenhum injustiça ou ranço, é muito irregular. O roteiro é ruim, prejudicando a história (enredo). Sem falar numa série de clichês que pontuam quase todo o filme e na frágil construção de vários personagens. Têm cenas constrangedoras, tamanha é a precariedade do roteiro e da direção. Contudo, tem alguns momentos razoáveis, que nem de longe o salva de ser ruim. Portanto, questionamos o que levou esse filme a constar na lista dos 10 escolhidos pelo público. Só tem uma explicação: há falhas na votação. E essas falhas devem ser corrigidas para evitar situações como esta. Esperamos que o júri estrangeiro (excetuando a brasileira Suzana Amaral, que sabe a qualidade dos nossos filmes), não pense que Um Homem Qualquer seja o padrão de qualidade dos nossos filmes atuais ou de qualquer outra época passada (que o diga Eles Não Usam Black-Tie).
Marco Becchis (jurado desde ano da Mostra e diretor)
Brasileiros – Como nasceu a ideia do seu original filme italiano Terra Vermelha, que por sinal abriu a Mostra oficialmente em 2008?
Marco Bechis – Queria entender quem eram os sobreviventes dos primeiros índios que habitam o Brasil, que foram trucidados pelos portugueses. Minha pesquisa me levou da Amazônia ao Mato Grosso. Encontrei índios vestidos, que viviam explorando outros índios e já tinham adquirido os mesmos hábitos nocivos dos brancos, como o álcool, as drogas, a prostituição, a ganância e a exploração. Então, tomei a decisão de fazer um filme ficcional, usando alguns índios verdadeiros das tribos que pesquisei. Queria mostrar que diante da destruição da natureza, da exploração e da discriminação desses povos, para alguns deles só restava o suicídio como alento para suas almas perturbadas e perplexas diante do que lhes restou nessa terra chamada Brasil.
Brasileiros – No ano passado, você estava na Mostra com o filme abrindo oficialmente o evento e agora, neste ano, está como jurado. O que é melhor?
Marco Bechis – Foi muito bom no ano passado, assim com está sendo agora. A diferença é que esse ano estou com mais responsabilidade, pois faço parte do júri, e tenho que escolher o filme vencedor, juntamente com os outros membros. Vou assistir todos eles e dar meu voto da melhor forma possível, sem causar injustiças com ninguém (risos).
Brasileiros – Algum filme em mente para dirigir?
Marco Bechis – Vou dirigir um filme sobre adolescentes que se passará na Itália. Ainda estou em fase de produção, inclusive captando, e se tiver algum brasileiro ou empresa interessada, estou à disposição para conversar (risos).
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