Como nos velhos tempos

Se tem uma coisa que eu aprendi com o nascimento da minha filha foi não usar a palavra “parto” em vão. Quando alguém diz que algo foi “um parto”, pergunto: “Foi natural, sem anestesia?”. O meu foi. Ter um bebê a seco, como uma índia, não foi uma escolha feita com cuidado. Para ser sincera, não foi nem uma escolha. Eu engravidei, morava nos Estados Unidos, não tinha plano de saúde e uma amiga me sugeriu procurar uma midwife, uma espécie de parteira com diploma de enfermagem e pós-graduação em enfermagem obstétrica. Segundo essa amiga, o parto natural com midwives é uma experiência sensacional. Não há drogas, o ambiente frio de hospital, cortes desnecessários, nem médicos gananciosos. E o mais importante: o preço. Quem não tem plano e não é capaz de provar que é muito pobre tem de pagar cerca de US$ 20 mil para ter o filho no hospital. Já as parteiras cobram US$ 4 mil.

A maternidade onde eu daria à luz tinha cara de casa da vovó: três quartos com cortinas e colchas floridas, cadeira de balanço e vasos de flores. Eu poderia levar CDs, incensos e qualquer outro objeto que achasse importante ter por perto na hora H. Mas, se houvesse risco de vida, eu seria enviada para um hospital. Contra a dor do parto, a midwife não pode fazer muito. Anestesia, nem pensar. Fiz uma maleta com CDs de Marisa Monte, Seu Jorge e Chico Buarque, roupas, incensos e uma garrafa de champanhe. Era uma sexta-feira quando acordei com as primeiras dores. Passei o dia me contorcendo e às 10 da noite, com contrações de oito em oito minutos, meu marido me levou à “maternidade”.

Apesar de ter jogado por dez anos na seleção brasileira de pólo aquático, não estava preparada para tanta porrada. Pensei nos CDs e incensos e decidi que eles não sairiam da bolsa. Nem mesmo se Marisa Monte aparecesse cantando e Seu Jorge e Chico brigassem para massagear meus pés, eu teria alívio. Depois de uma hora, implorei por algum tipo de anestesia. Kelly sugeriu que eu sentasse numa bola de pilates. De nada adiantou. “Uma chuveirada talvez ajude”, disse ela. Necas. Lembro que, entre uma onda de contrações e outra, eu perguntava para minha mãe: “Como é que a raça humana ainda não se extinguiu?”. Jurei nunca mais engravidar.

Às 5 da manhã eu estava com dilatação de 10 centímetros. Mas a bolsa não estourava. Explicaram-me que eu podia esperar a bolsa d’água estourar ou deixar que elas rompessem a bolsa, acelerando o trabalho de parto. Com um instrumento que lembra uma agulha de tricô, Annie rompeu a bolsa. Eram quase 6 horas da manhã e eu já passava das 24 horas de contrações. Nos cinco minutos seguintes, meu marido segurou uma perna minha e Annie, a outra. “Queixo no peito, empurra, empurra, força, força!”, gritavam os três. Kelly perguntou se eu queria um espelho para ver o bebê nascer. “Nem pensar”, disse. Meu marido fazia questão de detalhar tudo: “Eu vi a cabeça, tem cabelo… Mas voltou para dentro!”. Bárbara nasceu às 6h05min, com 52 centímetros e 3,250 quilos. O pai cortou o cordão umbilical. A ausência de anestesia permite que o bebê nasça bem alerta. Eu chorei diante do olhar intenso de minha filha. Brindamos com o champanhe. Seis horas mais tarde, já estávamos em casa. Eu mesma tirei fotos e mandei um e-mail para meus amigos e família contando sobre o nascimento. A recuperação foi muito rápida.

Tanto que, três anos depois, estou pronta para outra: espero um menino para julho e vou tê-lo da mesma maneira. Agora temos plano de saúde, mas eu quero repetir a experiência do parto indígena na terra dos ianques. O champanhe já está na maleta – os CDs vão ficar em casa desta vez. Apesar de o Brasil ser campeão mundial de cesariana, há uma pequena corrente a favor do parto natural. A causa é legítima, só que, talvez por defenderem radicalmente essa opção, muitas mulheres esquecem de falar sobre a dor. É preciso dizer: aquilo é terrível, não tem comparação. Quando conto o que passei, todos me perguntam por que vou repetir o caminho. Acho que a culpa é justamente da falta de anestesia: a seco, a gente curte mais a emoção de ter um filho.


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