A necessidade de superar a maior crise financeira de sua carreira fez potencializar no publicitário Julio Ribeiro a consciência do valor de planejar. O colapso nas contas chegou ao ápice em 1975, na agência JRM – Julio Ribeiro Mihanovich Propaganda, criada em sociedade com o amigo Armando Mihanovich. Naquele mesmo ano, Julio conquistou a conta da montadora italiana Fiat, que desembarcava no País com o compacto modelo 147.
Exercendo a mistura, segundo ele, imbatível, de planejar com criatividade, Julio construiu uma carreira longeva, iniciada em 1958, quando ingressou na americana McCann e se desdobrava para, em paralelo, atuar como advogado, recém-formado.
Protagonista de uma geração que tirou a propaganda brasileira da incipiência e deu a ela expedientes profissionais, Julio esteve no comando de campanhas que estão no imaginário do brasileiro em bordões imbatíveis, como “Bonita camisa, Fernandinho”, para a USTOP; “Não é uma Brastemp”; e “Pergunta no posto Ipiranga”.
Formado pela Faculdade de Direi- to da Universidade de São Paulo, ele também cursou Sociologia e descobriu por meio de um teste vocacional que tinha talento e criatividade para “ser o que quisesse”, como relatou à Brasileiros nesta entrevista que o flagra em momento transitório.
Julio costuma afirmar que para o sucesso de uma empresa é necessário que ela morra e renasça a cada cinco anos. Ele agora se reinventa em um novo empreendimento, que ganhou o nome JRP – Julio Ribeiro Planejamento de Empresas, consulto- ria dedicada à eficiência de gestão – tema, aliás, do seu mais recente livro Dá pra Consertar? Empresas que iam muito bem de repente passaram a ir mal (Dash Editora), e quinto título de uma bibliografia dedicada a divi- dir experiências profissionais, que fizeram do autor um dos nomes mais respeitados da publicidade do Brasil. No final de 2014, Julio deixou o posto de chairman da Talent. A agência criada por ele, em 1980, foi vendida, em 2010, para a Publicis Groupe, gigante francesa atuante em 68 países. Conduzida com o rigor da gestão responsável de Julio, a Talent era pautada por uma ética que, des- de o início, dispensava clientes que vendessem cigarro, bebida alcoólica e negava atendimento a contas do governo, ou de políticos – “substâncias que fazem mal”, segundo ele. À prova de auditoria, como afirmou seu criador, a Talent foi arrematada por cerca de US$ 110 milhões, segundo informou, à época, o jornal Meio & Mensagem. A maior negociação já realizada no mercado publicitário brasileiro.
A seguir, entre memórias de sua trajetória e da propaganda do País, Julio Ribeiro revela o que faria para vender este produto chamado Brasil.
Brasileiros – Como o senhor vê a propaganda hoje, em tempos da internet?
Julio Ribeiro – A propaganda é como a latinha que se amarra atrás do carro dos noivos recém-casados. Para onde vai o carro a latinha vai atrás. No caso da propaganda, a cabeça dos empresários é que determina seu andamento.
Brasileiros – Você está agora começando uma nova empresa. Com a sua experiência, o que considera mais nocivo para um empreendedor?
Ribeiro – Pessoas que não gostam da empresa onde trabalham. E o que provoca isso é a sensação de insignificância. As empresas perdem muito dinheiro por não prestar atenção em seus funcionários. Quando eles gostam do dia a dia no trabalho, a empresa cresce. Um exemplo é a rede de varejo Magazine Luiza, a Luiza Trajano era sobrinha do dono, assim que assumiu a empresa, a primeira coisa que ela fez foi conversar com os funcionários de todas as lojas. Eu visitei uma série delas e pude notar isso de perto. Luiza imprimiu uma mágica nessa relação e as pessoas adoram a empresa.
Brasileiros – E esse espírito passa para o cliente, não é?
Ribeiro – Passa. Porque quando uma pessoa gosta da empresa, ela trabalha e atende melhor. Rende muito mais. Uma antiga pesquisa feita na Inglaterra explica porque existem pessoas que conseguem vender boeings de US$ 300 milhões, enquanto outras, com características educacionais semelhantes, não conseguem vender um aspirador de pó. A razão é que o vendedor do boeing acredita que ele é o melhor avião que alguém pode comprar. Quando você está convencido de que sua empresa é a melhor, você se integra ao dono, ele te respeita, divide os lucros com você e a companhia se torna imbatível.
Brasileiros – Algo parecido com a injeção de autoestima que você propôs para a Grendene nos anos 1980, não?
Ribeiro – A Grendene foi o primeiro cliente da Talent. Fui conhecer a fábrica no interior do Rio Grande do Sul e o dono me falou: “Estou começando a fazer tênis, porque as sandálias de plástico venderam bem enquanto estiveram na moda, mas, agora, não vendem nada”. Eu fiz uma pesquisa e conclui que mesmo se ele redesenhasse a sandália e baixasse o preço pela metade, ele também não as venderia, porque o problema não estava no produto e, sim, na forma como a pessoa se sentia quando as comprava. O grande problema é que as mulheres achavam que sapato de plástico era coisa de faxineira. Foi então que falei para o dono da Grendene: “Existem duas formas de relatar a realidade, uma é por meio dos seus olhos e outra é a tela da Rede Globo”. Naquele tempo as pessoas assistiam às novelas das sete, oito, nove e eu disse a ele que, se ele colocasse as sandálias plásticas nos pés dos protagonistas da Globo, ninguém mais acharia que elas eram sapato de faxineira. Ele topou minha proposta e em dois anos se tornou o maior fabricante de calçados plásticos do mundo. Então é isso, quando você descobre o que precisa fazer para que as coisas aconteçam, elas acontecem.
Brasileiros – Além de motivar os funcionários, também é preciso acreditar na força do seu produto…
Ribeiro – Sim. O mesmo aconteceu com a Phebo, que comprou direitos de imagem dos personagens do Maurício de Souza para uma linha infantil e mesmo assim eles não venderam. Fiz uma pesquisa para eles e não consegui concluir nada. Um dia, eu estava em um parque do Morumbi e resolvi perguntar para algumas mães se elas compravam os produtos da Phebo. Foi então que descobri que elas preferiam comprar os produtos da Johnson&Johnson e eram pragmáticas nessa escolha. Achavam que aqueles eram o melhor sabonete e o melhor shampoo que elas poderiam comprar para suas crianças, porque eles não ardiam nos olhos e não faziam mal para pele. As poucas que compravam Phebo o faziam porque as crianças pediam: “Mãe, compra sabonete do Bidu”. Fizemos uma nova campanha e foi um sucesso. Então, quando você descobre porque as coisas não acontecem, você acaba encontrando uma solução. A propaganda continua sendo desafiada a encontrar soluções, mas as agências hoje se preocupam mais com a criação do que com o planejamento.
Brasileiros – Por que decidiu vender a Talent?
Ribeiro – Meus sócios vieram dizer que a gente devia vender a agência e eu falei: “Mas, por quê? Se está tudo bem e estamos ganhando dinheiro?”. Eu tinha empregados com 30 anos de casa, ninguém pedia demissão. Tudo ia bem, mas meus sócios disseram que eu estava ficando velho e que, se eu morresse, a empresa passaria a valer 10% do que vale. Considerei que eles tinham razão e contratamos um publicitário para vender a Talent. Ele havia vendido uma grande agência há pouco tempo, o que nos deu certa confiança, mas a primeira proposta que ele trouxe era ridícula. Em uma conversa com meu amigo Claudio Galeazzi que, à época, era presidente do Pão de Açú- car, ele recomendou dois rapazes de cair o queixo. Nunca vi profissionais de vendas tão bons quanto eles. Tive- mos uma primeira conversa, mas eles recusaram o convite, porque estavam realizando vendas para a Ipiranga. Um deles disse: “Nesse momento estamos fazendo grandes negócios e temos um número limitado de horas. Não pode- mos aceitar o convite, mas podemos recomendar outras pessoas”. Eu pensei “não quero outras pessoas, quero esses caras!”. Decidi, então, fazer uma proposta irrecusável e disse a eles: “Se pudessem aceitar quanto vocês cobrariam?”. Eles deram um valor absurdo e eu disse que até cobria a oferta, pois eu tinha certeza de que eles venderiam a agência pelo melhor valor possível e com máxima rapidez. A Talent era uma empresa a prova de auditoria. Tive uma agência de propaganda que quase faliu, e eu jurei que nunca mais passaria por aquilo.
Brasileiros – Quando foi isso?
Ribeiro – Em 1975, com a JRM – Júlio Ribeiro Mihanovich Publicidade. Eu e Armando Mihanovich abrimos a agência em 1967. A JRM tinha bons clientes, o Armando era um ótimo criador, mas a gente não sabia administrar. Fica- mos cheios de dívidas. Naquela época a melhor agência do mundo era a Carl Ally Inc. e escrevi para ele, para verificar a possibilidade de eu e minha equipe de criação passarmos uma semana na agência dele e aprender um pouco com seus profissionais. Ele topou. Fomos para Nova York e fiquei amigo do Carl Ally. Ele tinha a conta da Fiat nos Estados Unidos e, como eu sabia que a montadora estava vindo para o Brasil, pedi a ele para conseguir que eu fizesse uma apresentação sobre o mercado automobilístico brasileiro. Disse a ele que, se conseguisse fazer com que eu fosse a Turim e eu saísse de lá com a conta da Fiat no Brasil, daria a ele um percentual generoso. Ele topou.
Brasileiros – Foi nessa ocasião que houve a fusão com a MPM?
Ribeiro – Exatamente. Seis meses depois a Fiat veio para o Brasil. Quando fiz a apresentação em Turim, “aprendi” italiano em uma noite, pois eu havia preparado os textos em inglês, mas soube que um dos diretores não falava inglês. Pedi a um professor de italiano para traduzir tudo e decorei a apresentação durante a noite. No dia seguinte, ganhei a conta da Fiat no Brasil. Estávamos em uma situação financeira ruim e fui até a MPM, que era a maior agência do Brasil, propus fazermos uma parceria e eles tiveram a grandeza de topar. Fiquei ao lado da MPM por dois anos, mas jurei que nunca mais iria passar por esse problema. Foi então que aprendi o quanto era importante fazer uma administração cada vez mais séria da agência.
Brasileiros – Uma lição para toda a vida…
Ribeiro – Sim. Tanto que, quando resolvi vender a Talent para a Publicis, os vendedores ficaram muito impressiona- dos porque eu não tinha um centavo de dívida. Tínhamos um fundo com US$ 10 milhões de dólares no banco e nunca descontamos um papel. Todo fim de ano distribuíamos 20% dos lucros para os funcionários. Não sofríamos nem com inadimplência, nossos clientes eram todos pontuais. Eles não acreditavam que aquilo era possível. Chegaram a mandar dois auditores e eles viram que era tudo verdade. Os funcionários estavam satisfeitos, não tínhamos nenhum cliente em atraso e ainda havia um fundo de US$ 10 milhões no banco. Foi então que as ofertas começaram a subir e vendi a Talent muito bem.
Brasileiros – Como surgiu a ideia de abrir uma empresa para vender planejamento?
Ribeiro – Foi algo natural, pois a Talent tinha essa característica de ser fiel ao planeja- mento e de valorizar os colaboradores. O sucesso da gestão de uma empresa depende, sobretudo, de o dono gostar de seus funcionários. Na Talent, todo mundo gostava de todo mundo. Fazíamos festas para comemorar qualquer coisa. No dia das mães, por exemplo, as funcionárias que tinham filhos eram surpreendidas. Teve um ano, por casas delas e filmamos suas crianças. Na segunda-feira após o Dia das Mães, quando elas chegavam na agência e abriam o computador, imediatamente era exibido o vídeo com o depoimento dos seus filhos. Em 30 anos de Talent tivemos somente duas ações trabalhistas. As pessoas passam o horário nobre das suas vidas no trabalho e, se essa não for uma experiência agradável, elas vão odiar a empresa e nada dará certo. Ninguém acha legal passar 10 horas em um lugar que detesta. Por esse motivo, além de valorizar um bom ambiente, eu também decidi distribuir, no final de cada ano, 20% dos lucros para os empregados. Até hoje acho que quem ganha dinheiro sozinho, ganha pouco.
Brasileiros – De onde vem sua falta de solenidade?
Ribeiro – Meu pai foi um homem que me inspirou muito. Ele era dentista, foi trabalhar para uma companhia americana, depois se formou em Medici- na aos 55 anos. Ele era um lutador. Aos 17 anos, comecei a cursar duas faculdades, Direito e Sociologia, e ele me disse: “Você precisa procurar um emprego. Se você não trabalhar, não vai formar um caráter sólido e não vai saber lidar com o dinheiro”. Então, o fim da minha adolescência foi de mui- to estudo e trabalho e tenho grande respeito pelo meu pai porque ele me fez tomar as escolhas certas.
Brasileiros – O senhor concluiu as duas faculdades?
Ribeiro – Tranquei o curso de Sociologia no segundo ano, mas me formei em Direi- to pela USP, na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco. Quando me formei, já trabalhava na McCann, e mantinha em frente à agência um escritório de advocacia. Vivia de um lado para o outro e cheguei à conclusão de que estava errado. Não era o número de empregos que importava, mas sim o que eu poderia ganhar num bom emprego. Fui fazer um teste vocacional, porque eu gostava das duas profissões. Fiz 15 dias de testes. O professor me chamou e disse: “Tenho uma boa notícia: você não tem vocação para nada. Pode ser arcebispo ou médico, advogado ou publicitário. Pode ser o que quiser, porque você é criativo, objetivo e vai dar certo em qualquer coisa que fizer”. Vendi meu escritório de advocacia e resolvi seguir adiante na McCann.
Brasileiros – Chegando ao tema da nossa série, digamos que o Brasil é uma empresa e precisa contratar seus serviços para faria para melhorar esse produto chamado Brasil?
Ribeiro – Contrataria a mesma equipe política e profissional do Fernando Henrique Cardoso, coisa que a presidente Dil- ma não tem coragem de fazer, mas que colocaria o Brasil em ordem em quatro anos. O Brasil não pode ter 40 ministérios, da mesma forma que uma empresa não pode ter 200 departamentos quando deveria ter cem. O governo gasta muito dinheiro. Parece viver de insights. Baixou juros, veio a inflação, mas não importa, afinal, os bancos ganham muito dinheiro. O Brasil é um país com potencial colos- sal. Tem 200 milhões de habitantes. Se cada um tomar café da manhã e comer uma refeição, já seremos a 5a economia do mundo.
Brasileiros – Mas o senhor não acha que o governo que veio depois do FHC aumentou o número de cafés da manhã e de almoços?
Ribeiro – O FHC colocou o País em ordem e o Lula fez uma grande coisa que ainda não deu muito certo, mas que é uma grande coisa: ele trouxe para a classe C um números de brasileiros cinco vezes a população de Portugal. Se você fizer uma pesquisa nas universidades particulares, provavelmente, descobrirá que 90% dos alunos são de classe C. Então, isso deve mudar o Brasil no futuro e o FHC não se pre- ocupou com essas questões. O Lula teve aspectos positivos, mas a Dilma não é ele. Então, acho que o PT pre- cisa procurar saídas, porque todos os indicadores do Brasil em 2014 foram péssimos: crescimento zero, endivida- mento internacional crescente, inflação alta, emprego diminuindo. Acho que a Dilma colocou um ministro da Fazenda competente, Joaquim Levy está fazendo um trabalho sério e cor- reto, mas não sei se ele vai ficar, por- que aceitou o cargo condicionado a poder fazer o que quisesse e não sei até quando ele terá essa autonomia.
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