Contos made in USA

Foto: Linda Nylind
A escritora norte-americana Loorie Moore. Foto: Linda Nylind

Não sei se é verdade. Mas a impressão é de que há um exército de contistas excelentes nos Estados Unidos. De um modo geral, são escribas do nocaute, na acepção famosa do Cortázar, ou velocistas, mestres nas curtas distâncias, o que inclui também os ensaístas (e essa é outra discussão, já que o ensaio atual está cada vez mais próximo da ficção e vice-versa).

Há os mestres incontestáveis: Edgar Allan Poe, Ernest Hemingway, Flannery O’Connor, Raymond Carver, John Cheever e Salinger, entre outros; há os mestres contemporâneos, como George Saunders, Lydia Davis, Lorrie Moore; e muitos entre os jovens: Junot Díaz, Jamie Quatro, Nathan Englander etc.

Por que tantos? Um dos motivos, acho, tem a ver com a objetividade, característica que parece estar nas raízes culturais do país, onde o pragmatismo é dominante – basta ver que muitos dos personagens centrais de sua história são pioneiros, selfmade men, aventureiros, inventores, capitalistas, jogadores. É uma generalização grosseira, claro, mas tem algum fundamento. Na religião do mercado livre, só é santo quem tem foco, obstinação e ao menos uma ideia brilhante. Três elementos muito associados à manufatura do conto.

O mesmo motivo talvez explique o grande número de jornalistas e publicitários nos EUA, profissões que costumam fazer intersecção com a literatura e que têm na brevidade sua própria razão de ser.

E ainda há um fator mais subjetivo: uma certa intimidação frente aos grandes romances europeus, aparentemente “imbatíveis”, parece levar muitos sobrinhos do Tio Sam à narrativa curta; a menor amplitude, o número menor de personagens e situações talvez dê mais segurança a quem cresceu lendo Guerra e Paz, Os Irmãos Karamázov, Em Busca do Tempo Perdido, A Montanha Mágica, Madame Bovary ou as Ilusões Perdidas, clássicos do mais grosso calibre que atingem o leitor de forma permanente, influenciando-o para o resto da vida.

Somado a tudo isso, poderia talvez acrescentar a quantidade de cursos de escrita criativa no país. É mais fácil para professores e alunos que as “lições de casa” sejam contos. E certamente o número de revistas que dedicam espaço generoso aos contistas: The New Yorker, Atlantic Monthly, N+1 e outras.

A grande baleia

O curioso é que os EUA são também o país em que existe uma espécie de corrida para ver quem vai escrever o grande romance americano. Provavelmente porque o grande conto já foi escrito – há vários candidatos; eu ficaria com Um Dia Ideal para os Peixes-Banana”, do Salinger (está no livro Nove Estórias). E também porque o romance é tido como “maior”, um feito mais admirável, uma conquista mais impressionante. O Prêmio Nobel que o diga (Alice Munro à parte).

Pessoalmente, acho que o grande romance americano também já foi escrito: Moby Dick seria minha escolha. Mas por alguma razão, a disputa continua. Muitos já foram “eleitos” e “deseleitos”: As Vinhas da Ira (Steinbeck), Os Nus e os Mortos (Mailer), O Grande Gatsby (Fitzgerald), Coelho Corre (Updike), O Teatro de Sabbath (Roth), As Aventuras de Augie March (Below), O Arco-Íris da Gravidade (Pynchon) e mais recentemente o Liberdade do Franzen e o Infinite Jest, do Foster Wallace. Todos excelentes, nenhum suficiente.

A manutenção dessa corrida tem muito a ver com o mesmo pragmatismo (e consequente ambição) que regem, de certa forma, o universo dos contos. O desafio tem de continuar, é a cenoura que faz os cavalos-escritores buscarem o máximo de si. Bom para os leitores, para as editoras, para o mercado, para o jornalismo cultural. E aí voltamos ao ponto de partida.


Comentários

Uma resposta para “Contos made in USA”

  1. Avatar de Eduardo Damasio
    Eduardo Damasio

    Gostei da matéria.

    Escrevo contos… Acredito pecar em não ter gênero definido e nem público alvo…

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