Segundo o prefeito Fernando Haddad, o novo Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo é o mais ousado e inovador da história da cidade. Para ele, a lei aprovada em julho – que traz as diretrizes que vão orientar o crescimento urbano nos próximos 16 anos – tira São Paulo do início do século 20 e a faz entrar no século 21. Não é pouca coisa. E se a exaltação do prefeito pode soar excessiva, já que o plano nem saiu do papel e deve demorar anos para começar a dar resultados práticos, é quase consenso entre urbanistas, movimentos sociais e pensadores de diferentes áreas que grandes avanços foram alcançados. Especialmente no sentido de ter uma cidade mais estruturada e democrática que, entre outras coisas, privilegie o uso do transporte público, aproxime moradia e emprego, incentive a construção de habitações populares, combata a especulação imobiliária desenfreada e proteja as áreas ambientais.
“Acho que é um plano muito avançado, que tem o potencial de mudar o modelo de desenvolvimento urbano da cidade”, afirma Nabil Bonduki, vereador do PT e relator do PDE. Ele ressalta, no entanto, que tudo dependerá da implementação correta das diretrizes aprovadas, o que deve demandar debates políticos nos próximos anos. “O plano de 2002 já era um grande avanço em relação ao que se tinha, mas não conseguiu concretizar tudo o que foi proposto”, diz Bonduki, em relação ao PDE aprovado na gestão de Marta Suplicy (2001-05). Para o vereador, as condições políticas são hoje mais favoráveis do que à época, tanto pela consciência maior da população – incluindo grande número de movimentos urbanos engajados que surgiram ou se fortaleceram na última década – quanto pela correlação de forças na Câmara Municipal e pelo engajamento do prefeito, que colocou o PDE como prioridade da Administração.
Principais estratégias
Se o plano de 2002 já colocava o transporte coletivo como prioritário, a novidade no novo PDE é a articulação entre a ocupação do solo e os eixos de ônibus, metrôs e trens. A ideia épromover um adensamento construtivo e populacional ao longo desses eixos, aproximando as pessoas do transporte público e desestimulando o uso do carro. Assim, a construção de prédios mais altos serápermitida apenas nesses corredores e haverá controle no número de vagas de garagem e no tamanho dos apartamentos. Nos miolos dos bairros, por sua vez, as zonas residenciais serão preservadas e os novos empreendimentos terão limites de altura inferiores aosdos eixos, com prédios de no máximo oito andares. A ideia de “cidade compacta”, como é chamada, busca aproximar os cidadãos do emprego e dos serviços e, para isso, estimula também a construção de prédios com “fachadas ativas” – ou seja, em que o térreo é voltado para comércio. “Eu não diria que o PDE revoluciona o planejamento da cidade, mas avança, porque introduz uma lógica no adensamento construtivo onde antes não havia lógica nenhuma”, diz a urbanista Raquel Rolnik.
Para que o setor imobiliário possa construir prédios maiores – ou seja, acima do potencial construtivo definido, mas sem passar de uma altura máxima – ou com mais vagas na garagem, deverão pagar outorgas onerosas à Prefeitura. “A ideia da outorga não é só arrecadação, mas direcionar o desenvolvimento urbano de acordo com os objetivos do plano”, explica Bonduki. De qualquer modo, essa dinâmica apresenta outro ponto de destaque do PDE: todo o valor recolhido com a outorga onerosa vai para o FUNDURB (Fundo de Desenvolvimento Urbano), que terá 30% de seus recursos destinados ao transporte público e 30% à moradia popular. O dinheiro poderá, por exemplo, ser investido nas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), destinadas à produção de moradia para a população de baixa renda, que já existem desde 2002, mas tiveram sua área dobrada com o novo plano.
Ainda no que se refere à ideia de cidade compacta, o PDE recria a chamada zona rural – vasta área no extremo sul da cidade –, com o intuito de conter o crescimento horizontal e proteger o que resta do cinturão verde da cidade. Há também um fundo para a criação de parques, a Cota de Solidariedade (que obriga grandes empreendimentos a destinarem 10% de suas áreas para moradias de interesse social), políticas que desestimulam a construção de muros e propõem calçadas mais largas, além de projetos para os rios. Enfim, são dezenas de diretrizes para as mais diversas áreas, algumas bastante claras, outras mais abrangentes. “Agora, sãováriosos desafios de implementação. O PDEéum negócio com 380 artigos, milhões de emendas, parágrafos, e fica muito difícil conseguir enxergar tudo que tem ládentro”, afirma Raquel Rolnik.
Uma certa falta de clareza sobre tudo o que foi aprovado é também o que traz riscos a uma boa implementação. Há ainda a crítica, por parte de alguns urbanistas, de que o plano trata em demasiado do que “pode e não pode” de modo apenas quantitativo, sem se ater as especificidades de cada local. Seja como for, se inicia agora uma batalha sobre a discussão do novo zoneamento da cidade a ser aprovado pela Câmara, que definirá exatamente os usos permitidos ou proibidos para cada região. Se a aprovação do plano foi um grande passo, e nisso a exaltação do prefeito é compreensível, a luta por uma cidade mais democrática está apenas começando, e uma série de batalhas deve ser travada nos próximos anos. “Para ser uma revolução, é preciso que tudo que está proposto seja implementado”, diz Bonduki.
A correlação de forças, a pressão da sociedade e o engajamento do prefeito trazem boas perspectivas, segundo o vereador. Além disso, o atual plano, que deve ficar em vigor até 2030, possui muito mais pontos autoaplicáveis e obrigatórios – que não dependem da vontade de um ou outro governante – do que o de 2002. Vale lembrar que muitos dos empreendimentos que serão construídos nos próximos anos foram aprovados de acordo com a lei anterior, e São Paulo deve demorar a ver os resultados das novas diretrizes. Mas, a longo prazo, a cidade poderá confirmar ou não o otimismo de Haddad: “Desde o Renascimento, as cidades ocidentais bem-sucedida