O pronto-socorro da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo quase foi fechado novamente na terça-feira, 27 de setembro. A paralisação do atendimento só não se tornou realidade porque a instituição foi socorrida com um aporte de cerca de R$ 1 milhão e insumos (remédios e materiais para curativos e cirurgias) pelo governo estadual. A informação foi confirmada pelo promotor Arthur Pinto Filho, da área da Saúde Pública.
Se a medida se efetivasse, seria a segunda vez que o pronto-socorro pararia de funcionar desde que a crise da entidade recrudesceu. A primeira ocorreu no dia 22 de julho de 2014, quanto o ex-provedor Kalil Abdalla fechou o PS e suspendeu cirurgias eletivas e exames laboratoriais, afetando pelo menos seis mil pessoas. Cerca de 1,2 mil pessoas eram atendidas por dia no PS no período anterior à piora dos problemas financeiros. Atualmente, os médicos não conseguem estimar o número de pacientes, mas dizem que diminuiu sensivelmente. As cirurgias eletivas e a realização de exames laboratoriais permanecem suspensos.
A grande esperança do provedor José Luiz Setúbal para conseguir tirar o hospital da crise aguda e, assim, levar adiante os ajustes para controlar os gastos é a obtenção do empréstimo de R$ 360 milhões de reais a ser viabilizado pela Caixa Econômica Federal. Há duas semanas, um aceno positivo do vice-presidente corporativo do banco, Antônio Carlos Ferreira, renovou o ânimo da comunidade de profissionais da saúde que tem se empenhado para manter o atendimento à população e a Santa Casa funcionando, apesar dos pesares. Em entrevista à jornalista e colunista Cilene Pereira, da revista ISTOÉ, Ferreira disse que 95% do processo para liberação do dinheiro estavam concluídos e que a longa lista de exigências feitas pelo banco estava praticamente cumprida. De acordo com promotor, o empréstimo estava para ser assinado quando houve o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o que teria atrasado novamente o processo. O provedor Setúbal, que é fortemente apoiado pela comunidade de profissionais da saúde da Santa Casa, tem ido com frequência à Brasília batalhar para que nada atrase, ainda mais, a liberação dos recursos.
A longa espera, no entanto, está submetendo médicos, enfermeiros, alunos, funcionários e residentes a níveis elevados de tensão. O desgaste emocional provocado pelas idas e vindas na liberação do dinheiro pode ser percebido, por exemplo, na inquietude que deu o tom do encontro recente entre membros da Irmandade de Misericórdia (o conselho a quem a Santa Casa formalmente pertence) e essa turma toda. Na quarta-feira 28, durante a reunião mensal da mesa da Irmandade, os participantes foram informados sobre uma grande concentração de pessoas do outro lado da porta, no corredor que dá acesso à Provedoria. A ideia da manifestação circulou nas redes sociais na noite anterior, e tinha o objetivo de mostrar à sociedade a união dos profissionais da saúde e sua preocupação com a instituição. Isso incluía questionar a direção sobre as medidas e planos de ação para impedir o aprofundamento dos problemas e obter informações de fonte segura sobre o prometido empréstimo.
Infelizmente, o encontro foi marcado pelo nervosismo. De um lado, o grupo de gestores liderado por Setúbal, que assumiu o desafio de negociar com bancos, com os membros da Irmandade, com os credores e os três níveis de governo para impedir que a instituição feche as portas. Do outro, um conjunto de profissionais exaustos pelo esforço cotidiano para manter o ritmo de trabalho, pela espera de soluções e pela falta de perspectivas. O diagnóstico mais perspicaz da situação veio de um médico que assistia, a uma certa distância e com expressão decepcionada, o diálogo esquentado entre dirigente e alguns colegas. “O que está faltando é uma comunicação mais próxima entre nós. Estamos todos do mesmo lado, mas precisa haver mais transparência sobre o que está sendo pensado, para onde vamos, as medidas que serão adotadas. Se não for assim, a tendência é esse tipo de coisa que estamos vendo aqui se repetir”, diz ele, que pede para não ser identificado. “Tenho receio de ficar estigmatizado se tiver que procurar emprego em outra instituição.” Na prática, muitos especialistas começam a buscar recolocação profissional. De cerca de 1.200 médicos contratados e em atividade em 2015, hoje a Santa Casa conta com cerca de 890 desses profissionais.
A comunidade também deposita uma boa dose de esperança nas conclusões da investigação que segue em sigilo no Ministério Público para apurar irregularidades nas contratações da Santa Casa e má gestão administrativa. Esperam que daí venham ajustes e medidas corretivas importantes. De acordo com o promotor Arthur Pinto Filho, os dados obtidos estão em fase final de análise pelo CAEx, área que oferece suporte técnico-operacional e serviços de informação/inteligência às Promotorias e Procuradorias de Justiça do Estado de São Paulo. Conforme o último levantamento feito pela Promotoria, o patrimônio atual da entidade é suficiente para quitar as suas dívidas. A instituição teria cerca de R$ 800 milhões em imóveis e uma dívida que ronda os R$ 900 milhões. Do ponto de vista legal, o ex-provedor, o advogado Kalil Abdalla, e a mesa administrativa (uma espécie de conselho gestor) que o assessorou podem ser responsabilizados por eventual má gestão. Isso porque os atos de gestão, pelo menos os mais importantes, precisam ser aprovados pela mesa.
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