Corrida de canoas, tradição ameaçada

Filha, neta e bisneta de caiçaras do Toque Toque Pequeno, em São Sebastião, Cristiane Lara de Oliveira, 34 anos, nasceu aqui nesta antiga aldeia de pescadores no litoral norte paulista, formou-se em Relações Públicas pela Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, e voltou para se dedicar a uma difícil missão: resgatar a cultura da sua gente e suas tradições.

Neste sábado de aleluia vai ser seu grande dia. Na bela praia em frente à sua casa, pescadores de várias praias do município disputam mais uma corrida de canoas, a principal atração de uma festa que vai durar o dia inteiro, com barracas de artesanato, comidas e bebidas, campeonato de volei e corrida para crianças.

Foi Cristiane quem organizou tudo. Desde que assumiu, há um ano, a presidência da Sociedade de Amigos do Toque Toque Pequeno (SAPEQUE), sua principal preocupação foi resgatar o Torneio Aleluia de Canoagem, criado em 1992 por sua mãe, Lala, junto com três amigos, Ana, Messias e Hiram, e que nos últimos anos vinha definhando.

Assessora da Câmara Municipal de São Sebastião, nos últimos 40 dias ela providenciou tudo com a ajuda da Prefeitura e doações de empresas e moradores do bairro: guarda muniicipal, ambulância, defesa civil para acompanhar a regata de canoas, banheiros químicos.

Mas o mais difícil foi arrebanhar os competidores para a corrida de canoas porque já não se fazem pescadores artesanais como antigamente. Não bastaram os cartazes espalhados pela cidade. Ela teve que ir na casa de cada um para convidá-los pessoalmente.

“Nestas visitas aprendi coisas interessantes, situações emocionantes e uma triste realidade: esta tradição está com os dias contados. Descobri que os caiçaras, principalmente os das antigas, não vão a uma festa apenas vendo cartazes e faixas de divulgação. Gostam de ser prestigiados com a nossa visita”.

Cristiane teve que insistir muito com “Pilico”, um dos pescadores mais antigos do município, morador da praia da Juréia.

“Ao ver o convite que lhe levei, “Pilico” ficou com os olhos cheios de lágrimas. De escorrer muito! Ele se lamentou, como a maioria dos caiçaras com quem falei, explicando que já estava um pouco velho e não tinha mais canoa. Ele me disse: “Isto está acabando” Então eu disse para ele: “Me ajude a manter esta tradição”.

Cristiane ficou de arrumar uma canoa para ele e “Pilico” vai concorrer na categoria terceira idade. São quatro provas para canoas com um, dois, três ou quatro remos, mas nem ela sabe quantos competidores vão aparecer neste sábado.

“A triste realidade é que a maioria dos caiçaras está deixando a canoa de lado para trabalhar como marinheiro nas marinas ou caseiro nas casas de veraneio. Como nosso evento sempre acontece no sábado de aleluia, eles têm que ficar à disposição dos patrões. É uma situação triste pelo lado cultural, mas pelo menos eles agora têm um empego fixo”.

Com o patrocínio que conseguiu no Bradesco, pelo menos uma tradição está garantida, mesmo que se confirmem as previsões de ressaca brava no mar para este sábado, o que ameaça o sucesso da corrida: comida e bebida de graça para todos não vai falar.

São 300 quilos de peixe, 600 litros de refrigerante e 1.000 cachorros quentes. Ao contrário dos outros anos, apenas a cerveja será cobrada, a um real a lata, para evitar o desperdício e ajudar a pagar as despesas. Tomara que o tempo ajude e a ressaca passe longe.

Boa páscoa para todos!


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