Na última década tenho acompanhado de perto, realizando e interpretando pesquisas de opinião, as profundas transformações que o País vive. E o que tenho visto, apesar do atual momento de instabilidade, é um cidadão mais empoderado e mais exigente com os seus direitos. Vejo também um cidadão que chama para si a responsabilidade, que acha que a própria vida depende, sobretudo, do seu suor e do seu trabalho. São inúmeras as estratégias, formais e informais, que já estão sendo colocadas em prática pelas camadas populares para lidar com a situação de aperto. É a sabedoria popular entrando em cena para se virar em momentos de adversidade. Mas, apesar de chamarem para si esse protagonismo, eles não ignoram que suas oportunidades são condicionadas pelo momento do País.
Há pouco mais de um mês nós do Data Popular realizamos um novo estudo para entender como está a cabeça do brasileiro, como ele enxerga o momento atual e quais são suas perspectivas em relação ao futuro. Infelizmente, encontramos um brasileiro descrente com a atual situação econômica e muito insatisfeito com os políticos, percebidos como entidade abstrata que engloba tanto o governo quanto a oposição. Essa insatisfação é verbalizada principalmente como crítica generalizada à corrupção. Essa centralidade da corrupção é também percebida nas manifestações de rua realizadas contra o governo.
Por trás desses discursos, vimos que a corrupção virou a grande fonte explicativa para todos os males do País. Na cabeça dos brasileiros, a gasolina aumentou, por exemplo, como consequência da existência de corrupção na Petrobras. O que explica o aumento da conta de luz? Corrupção. O que causa os problemas na saúde pública? Os desvios de recursos por conta da corrupção. O que motivou a necessidade de ajuste fiscal, com corte de verbas para ministérios e investimentos do governo? A necessidade de “compensar o prejuízo” trazido pela corrupção. Outros fatores decisivos para a compreensão dos resultados de políticas públicas, como a qualidade e a inovação administrativas, quase nunca aparecem espontaneamente como relevantes.
Não deixa de ser curioso notar que na cultura política brasileira sempre houve espaço para a tolerância com a corrupção. As fórmulas do tipo “rouba, mas faz” foram largamente utilizadas por eleitores para justificar sua simpatia por alguns candidatos. É a tolerância com o que poderíamos chamar de “corrupção de resultados”, entendida quase como condição necessária para fazer “a máquina girar, as coisas acontecerem”. No discurso atual, o enunciado se inverte: os políticos “não fazem porque roubam”. Não é por acaso que essa nova centralidade a respeito do tema corrupção ocorra em um momento de crise econômica. Nesse contexto, em vez de “viabilizar” (o funcionamento de uma máquina estatal viciada), ela passou a ser entendida como fenômeno que “inviabiliza” (a entrega de serviços públicos adequados, em um momento de restrição de recursos).
Se duradoura, essa nova interpretação poderia ser positiva. O problema é que atualmente a população não encontra saídas para esse tema entre os atores políticos em cena, salvo em outsiders que – e exatamente por isso – não são considerados “políticos”. O brasileiro não enxerga na alternância de poder uma solução para a corrupção. Fica muito evidente que, das diversas crises que assolam o País, a maior é a falta de perspectiva. O que os eleitores demonstram é uma demanda urgente por um discurso que ofereça uma nova perspectiva para o Brasil. O brasileiro quer mudanças sim, mas não a qualquer custo. Ele quer saber para onde vai.
*Presidente do Instituto Data Popular
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