O Congresso Nacional divulgou nessa quarta-feira (30) o relatório final da CPI dos Crimes Cibernéticos, algo que se aprovado pode colocar a sua liberdade de expressão na Internet e privacidade em risco.
No ano passado, a Câmara dos Deputados instaurou tal CPI dizendo que teria como objetivo melhorar a segurança no ambiente virtual. Porém, o relatório final aponta projetos de lei que, em resumo, criariam um perene estado de vigilância na rede. Se aprovados, eles dariam conta de punir, por exemplo, quem fala mal de políticos no Facebook. Algo que Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio, diz que acabaria transformando a rede em um meio “chapa branca”.
O relatório chega a propor alterações na lei do Marco Civil da Internet, aprovada em 2014, que assegura a liberdade de expressão de internautas brasileiros.
Affonso chama atenção para o artigo 19 do Marco Civil que diz que provedores de serviços na Internet, incluindo aí redes sociais, blogs e mensageiros instantâneos, somente serão responsabilizados se descumprirem uma ordem judicial. O recurso visa evitar que redes sociais, por exemplo, se tornem censores. Para remoção de conteúdos que possam ou não ser ilícitos, a empresa responsável pela aplicação precisa de uma ordem de um juiz para isso. A exceção se dá no artigo 21 que diz respeito a casos de pornografia de vingança.
A CPI dos cibercrimes propõe uma outra exceção, a de violações à honra de forma “acintosa”. Isso significa que uma pessoa que se sentir atingida por qualquer foto, vídeo ou texto poderá notificar o provedor e este terá de remover o conteúdo do ar em 48 horas. Além de retirá-lo, o provedor ainda precisará monitorar o serviço para impedir que o conteúdo reapareça na plataforma, caso contrário, a empresa responsável pela rede social será co-responsabilizada e terá de indenizar a pessoa ofendida.
“Isso vai totalmente contra a lógica do Marco Civil que não incentiva provedores a tomarem decisão sobre remoção de conteúdo e, por outro lado, trabalha com um conceito extremamente subjetivo do que é o ataque contra a honra de forma acintosa”, ressalta Souza, também professor de Direito da UERJ.
“Uma vez aprovado, isso indica que qualquer discurso político partidário vai virar ferramenta de notificação e retirada de conteúdo. Você cerceia a liberdade de expressão na Internet de uma forma incrível, vai ser muito útil para políticos que vão conseguir calar discursos contrários a sua atuação, vai se calar qualquer jornalismo investigativo, calar qualquer comentário mais crítico desde ao restaurante, ao hotel, a crítica literária, ou seja, sofre a liberdade de expressão e sofre a ideia de uma Internet aberta”, complementa.
A CPI aborda outros pontos polêmicos que podem diminuir a liberdade de brasileiros na rede. Um dos projetos de lei prevê que se o usuário desrespeitar os “termos de uso” – aquela página que você diz concordar sem nem ter lido – de sites e aplicativos, ele poderá ser condenado até dois anos de prisão. Outro PL atribui competência à Polícia Federal para qualquer crime praticado usando um computador ou celular, o que pode incluir o download de músicas e filmes.
Outro ponto da CPI dos Crimes Cibernéticos indica que os provedores de internet podem ser obrigados a revelar automaticamente quem está por trás de cada endereço de IP na rede, isso sem uma ordem judicial como acontece atualmente. Em resumo, a polícia teria acesso a dados sensíveis de uma pessoa, como nome e endereço domiciliar através de seu computador.
“Se você casa rapidamente a PL de remoção de conteúdos que atinjam a honra e no outro facilita o acesso ao IP, isso torna muito mais fácil a perseguição política na Internet”, alerta Souza.
Para o diretor do ITS-Rio, a remoção de conteúdo por violação à honra “cai como uma luva em tempos onde a Internet está tão dividida politicamente” e se aprovada se tornaria a ferramenta perfeita para abafar o discurso político contrário.
“Ao ter uma ferramenta jurídica legal, que dá a cada um o direito de pedir a remoção de conteúdos a cada 48 horas, certamente não é nada salutar quando o Brasil está justamente trabalhando no amadurecimento das ideias políticas na Internet. O uso político da Internet no Brasil está amadurecendo nesse momento a duras penas, com debates pós-eleição para presidente. Mas a alteração proposta pela CPI vem a recrudescer esse cenário, ao invés de amadurecer a gente vai dar simplesmente um passo atrás e impedir que a Internet seja um campo de amadurecimento, de construção, de crítica política. Por que a gente percebe que é através da rede que a gente complementa muito das informações que vemos na mídia impressa e televisiva. Não é o momento de restringir o acesso às informações”, alerta Souza.
A votação da CPI deve ocorrer no dia 7 de abril e o encerramento dos trabalhos da comissão estão programados para o dia 12 do mesmo mês. Você pode acessar o relatório final no site da Câmara.
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