Cristovam explica ideia de plebiscito

Uma semana depois de todo barulho causado pela proposta em que lançou a idéia de um plebiscito, para o povo decidir se deseja ou não o fechamento do Congresso Nacional, recebi do senador Cristovam Buarque o texto, que reproduzo abaixo, no qual ele explica a origem da polêmica.

Tudo começou numa despretenciosa entrevista do senador ao blog do colega Magno Martins, de Pernambuco, e correu célere até chegar à tribuna do Senado, mostrando como a internet mudou as relações entre os políticos e a opinião pública.

Cristovam revela que aprendeu quatro lições com este episódio, a principal delas, a meu ver, mostrando que, se o plebiscito fosse mesmo realizado, a maioria absoluta da população votaria pelo fechamento do Congresso Nacional.

Entre a entrevista e o artigo, mais uma enxurrada de denúncias contra os parlamentares nos últimos dias alagou os salões acarpetados da ilha da fanstasia onde eles vivem.

A mais recente, revelada hoje, dá conta de que um deputado do Rio Grande do Norte, Fábio Faria, do PMN usou sua cota para pagar com dinheiro público passagens para a ex-namorada Adriane Galisteu, a mãe dela, e outros artistas.

Ao se explicar, Faria lançou mais uma novidade: Adriane era como se fosse sua parente. Se esse critério vingar, e tivermos que pagar as passagens de todas as namoradas dos senhores deputados e senadores como se fossem parentes, estamos fritos.

Vale a pena ler o artigo em que o senador Cristovam Buarque faz uma serena e, ao mesmo tempo, dramática análise do atual momento vivido pelo Congresso Nacional:

Lições de uma Frase

Cristovam Buarque

Na semana passada, em Recife, em entrevista por telefone para o blog do Magno Martins, respondi que diante da crise de credibilidade do Congresso, em breve surgiria uma proposta de plebiscito para o povo decidir se deseja ou não um Parlamento aberto. A dimensão tomada pela divulgação desta frase, no blog, permite algumas lições.

A primeira, de como uma frase por telefone, de dentro de um carro no meio do engarrafamento, em poucas horas se espalha por todo o Brasil. Quando cheguei aonde ia, já havia jornalista me ligando para saber sobre o assunto.

Anos atrás, a frase ficaria restrita a poucas pessoas, porque demoraria tanto a se espalhar, que se espalharia morta. Esta lição nos permite descobrir que os políticos, como eu, não estamos preparados para os novos tempos das comunicações universalizadas e instantâneas. O Parlamento também não.

Apesar desta instantaneidade universal das informações e, portanto, das imediatas manifestações de vontade da população, nós parlamentares continuamos agindo no mesmo ritmo de décadas ou mesmo séculos atrás.

Nossos projetos de lei demoram anos, ou décadas, para esgotarem todo o processo até aprovação ou rejeição. Ficamos um poder atrasado em relação ao Executivo, daí as Medidas Provisórias como uma necessidade, mas que terminam paralisando o Congresso. Mas, além do oportunismo do Executivo, as MP são fruto da baixa velocidade como o Congresso desempenha suas funções. Esta é outra lição.

Outra, mais grave é a prova de que o Congresso está tão desmoralizado, que nenhum dos críticos à frase levantou a hipótese de que o plebiscito poderia receber o voto favorável do eleitor para manter o Congresso funcionando.

A crítica considerando a frase golpista demonstrou que todos tomaram a idéia do Plebiscito como se a resposta fosse um claro e rotundo apoio ao fechamento, não à manutenção. Esta é a mais importante das lições.

Os formadores de opinião estão convictos de que o povo deseja fechar o Congresso. Caso contrário, teriam tomado a idéia de um plebiscito como o momento da reafirmação do Congresso, que receberia o apoio popular.

Uma quarta lição é como as frases adquirem vôo próprio, transformam-se e passam a definir o que não estava na sua origem. Eu quero abrir o Congresso, não fechá-lo, como ele de certa forma está neste momento.

As pessoas já esqueceram que durante os 21 anos do regime militar, o Congresso só esteve fechado por poucas semanas. Estava aberto todo o tempo, mas era irrelevante e inoperante, e não respeitado pela opinião pública. Até 1978, quando novos parlamentares começaram a falar contra o regime e articularem o fim da ditadura. Imediatamente recebeu o respeito e o reconhecimento do povo porque essa era a pauta do povo: a anistia, as eleições diretas para presidente, o fim do exílio, da tortura e das prisões políticas.

Alguns congressistas estavam sintonizados com o povo. Mas nem todos. A emenda das diretas foi recusada pelos congressistas, muitos deles até hoje com mandatos. Naquela época, um plebiscito teria aprovado as eleições diretas, o Congresso, com sua elite bem formada, derrubou-a.

A crise do Congresso é imensa e não adianta imaginar que vai ser resolvida sem um choque de idéias levando em conta o que o povo deseja. Até recentemente, o povo ficava silencioso entre as eleições, agora, a mídia, por todos seus meios modernos, colocou o povo na “rua virtual” que leva uma frase de dentro de um carro para o País inteiro.

Não vai demorar que esta rua se manifeste. Pode ser de forma eleitoral, substituindo todos os atuais parlamentares, nas eleições de 2010, pode ser de formas não eleitorais, que ainda não conhecemos, porque ainda não sabemos como vai agir, no futuro, no Brasil, a “rua virtual”. Nos EUA ela encontrou seu caminho e elegeu um negro para presidente, contra a vontade da elite que teve esta oportunidade por mais de dois séculos.

Não há forma de manter um Congresso aberto, durante a democracia, sem que esteja respeitado e sintonizado com a opinião pública. Há golpes barulhentos e golpes silenciosos, uns que fecham o Congresso e outros que o mantém aberto, mas irrelevante, sem sintonia com o povo, desmoralizado.

Esse golpe silencioso está em marcha, por culpa de nós próprios parlamentares, todos nós, não coloquemos a culpa em apenas alguns. E uma das culpas é o silêncio. Melhor passar a aparência de golpista por mostrar o risco de o golpe acontecer, do que ficar no silêncio omisso diante do golpe que já está acontecendo.

Outra lição é de que o político hábil é aquele que não corre risco dizendo frases polêmicas. A polêmica pode levar a desgastes de dimensões fatais eleitoralmente. O bom político é o silencioso, que trabalha sem polêmica, que concentra sua ação nas articulações internas ao Congresso e no convívio dos seus eleitores. Esta lição eu não vou seguir. Não vale a pena ver os problemas sem fazer deles o alarde que a história precisa um dia saber que foi feito.

Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF


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