Assim que entrei no salão de desembarque do aeroporto José Marti em Havana, depois de umas doze horas de viagem entre aviões e conexões, logo senti que havia algo diferente no ar. Sim, era o cheiro de tabaco queimado, algo cada vez mais raro em São Paulo. Enquanto esperava a mala, vi várias pessoas fumando ali mesmo e me senti livre para acender um cigarro também. Ninguém me olhou feio.
No táxi, em qualquer área do hotel, nos restaurantes, em qualquer lugar o fumo é livre em Cuba. Pode parecer uma bobagem, algo politicamente incorreto, eu sei, mas me deu uma boa sensação de liberdade, depois de tanto tempo, não ser reprimido nem tratado como um pária, um ser nocivo à sociedade.
Até hoje, não há nenhuma indicação científica de que os cubanos estejam vivendo menos do que nós porque a maioria continua fumando em qualquer lugar. Ao contrário, a expectativa de vida lá é de 75 anos, maior do que a dos brasileiros.
Nem falei disso ontem na minha cronica de viagem sobre as 72 horas que passei em Havana na semana passada, para não despertar ainda mais a ira dos que parecem viver até hoje na Guerra Fria, vinte anos após a queda do Muro de Berlim. Pelos comentários enviados ao Balaio, percebi que basta falar em Cuba para que recomece o mesmo tiroteio verbal feito de velhos chavões, de um lado e de outro, que já dura meio século.
Só toco neste assunto hoje por causa de uma brincadeira que fizeram comigo na cerimônia de entrega do 31º Premio Vladimir Herzog, na noite de segunda-feira, no Tuca. Ao ser chamado parta falar na homenagem prestada ao Audálio Dantas, valente presidente do Sindicato dos Jornalistas na época do assassinato de Herzog, outro amigo, Sergio Gomes, demorou-se para subir ao palco.
Ao se desculpar pela mancada, explicou que estava fora do teatro fumando um cigarro comigo e me dedou em público ao governador José Serra, o líder da cruzada antitabagista, presente à cerimônia. Todo mundo achou graça, contaram-me os amigos, mas depois me vinguei do Serjão, brincando que, depois de velho, ele tinha virado dedo-duro – justo ele, que foi preso junto com Herzog, porque alguém o dedou
Brincadeiras à parte, esta questão da proibição radical do fumo em São Paulo é apenas um sinal do crescente sentimento de intolerância que tenho notado nas pessoas nos útimos tempos – em todas as áreas da vida nacional, da política à religião, do futebol aos movimentos sociais. Aqui mesmo no Balaio uns agridem os outros simplesmente por pensarem de forma diferente, argumentos são logo trocados por ofensas.
Vários leitores me mandaram ir morar em Cuba e bateram pesado só porque contei as minhas impressões de viagem, como costumo fazer sempre que vou a outros lugares e relato aos leitores o que vi e ouvi. Não tem nada uma coisa a ver com outra.
Gostar do povo cubano e do seu país não quer dizer que eu defenda o regime político em que vivem, mas não sou eu quem vai dizer para eles o que está certo ou errado, quais são os caminhos que devem seguir. Problema deles. Como jornalista, jamais poderia viver em Cuba porque lá só existe uma indigente imprensa oficial e eu prezo muito a minha liberdade.
Para mim, o melhor lugar do mundo para se viver é o Brasil, mas muitos leitores não pensam assim. Também é problema deles. Só peço que neste espaço todos procurem respeitar mais a opinião alheia, não só a minha, mas as dos demais leitores. Ao contrário de outros blogs, vocês sabem, aqui não excluo quem pensa diferente, mas apenas os que confudem liberdade de expressão com baixaria e preconceito.
Para que ninguém me entenda mal, quero dizer também que, apesar de fumante, aprovo as restrições ao cigarro em determinados locais, respeito o direito de quem não fuma, e acharia ótimo se pudesse largar esta porcaria, mas não concordo com os exageros. Minhas filhas e netos, graças a Deus, não fumam. Por isso, respeito a proibição da família para não fumar dentro de casa.
Só acho uma violência, um caso típico de intolerância e autoritarismo, proibir que se fume até em charutarias e tabacarias, e em varandas de bares e restaurantes onde há lugares reservados para não fumantes.
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