Culinária crítica

Ao conceber uma exposição de food design (ou design da comida, em tradução livre), a curadora Simone Mattar não pretendia focar simplesmente em aspectos estéticos e visuais da gastronomia, apesar do que o nome pode sugerir. Não pretendia, tampouco, levar o visitante apenas a vivenciar uma experiência de degustação, desconectada de reflexões e pensamentos críticos. Pelo contrário: Como Penso Como, em cartaz no Sesc Pompeia até setembro, trata com amplitude do modo como o homem se relaciona com a comida e o comer, despertando – principalmente a partir de experiências sensoriais – discussões antropológicas, históricas, sociais e econômicas. Pois food design, para Mattar, é algo que vai muito além das aparências, e que começa a se delinear hoje como uma disciplina; uma área específica do conhecimento.

Segundo a curadora, em cada lugar do mundo e cada época da história, o homem se utilizou – e utiliza – de diferentes práticas para obtenção, manipulação, apresentação e ingestão dos alimentos. No mundo atual, no entanto, a massificação – através das grandes industrias, das redes de fast food ou até mesmo da culinária dos grandes chefs internacionais – tem muitas vezes se sobreposto à riqueza do que é particular de cada povo. “Essa cozinha internacionalizada, que não tem cara, deixa tudo parecido”, diz Mattar. Por isso mesmo, como um contraponto, torna-se cada vez mais importante a busca do que é único, diferente e específico de cada cultura, que diz muito sobre a identidade de um país ou região.

E são as particularidades da gastronomia brasileira – aquela que está nas ruas, nas casas e nas vendas – que dão o tom em Como Penso Como, exposição dividida em três blocos principais. De saída, uma sala aguça os sentidos do visitante com o cheiro do pão de queijo, o som da manteiga derretendo na frigideira, o grito de “pamonha, pamonha, pamonha” e assim por diante. Segue-se por um galpão onde um gigante ”bolo de rolo”, construído com 25 metros de tecido, dá um exemplo de apropriação e resignificação da culinária estrangeira. “O bolo de rolo é um símbolo disso. Como é que o rocambole, que dá duas voltas na Europa central, chega aqui no Brasil e passa a dar 50 voltinhas?”, questiona Mattar. É também neste ponto que a riqueza gastronômica de outros países é apresentada, a partir de algumas das mais importantes festas populares do mundo (Dia dos Mortos, no México; Fiesta de la Matanza, na Espanha etc.).

Por fim, a experiência de degustação arremata com chave de ouro o trajeto. Em duas sessões diárias (pagas), de uma hora e meia de duração, os visitantes são apresentados a nove pratos; criações artísticas de Mattar que se referem a momentos e personalidades da história brasileira. A linha questionadora que percorre toda a mostra não se perde nesse momento, mesmo que visuais e sabores centralizem as atenções. “Em cada prato de cada pessoa, em qualquer momento, existe toda uma cultura e uma relação econômico-social envolvida”, diz a curadora. Nesse ponto, no entanto, vale mais a degustação do que qualquer descrição dos pratos. Ali, o que importa é comer, pensar, e comer de novo.

Serviço – Como Penso Como

Sesc Pompeia (rua Clélia, 93)

Visitação: terça a sábado, das 10h às 20h; domingos e feriados, das 10h às 19h.

Entrada gratuita. Experiência de degustação: R$ 50


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