Da alegria à tristeza profunda

O desafio comum aos principais partidos – a busca da definição de um perfil político e social – para o Partido dos Trabalhadores é uma necessidade dramática. Primeiro porque não existe líder político sem a presença de segmentos sociais organizados, com interesses e teses claras a serem defendidas e pelas quais lutar, e que reconheçam em seu líder aquele capaz de levar avante suas ações. Não basta a liderança de Lula, com seu tino político associado à sua experiência de líder sindical, que o ensinou a negociar, endurecer e blefar, quando necessário.

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Segundo porque a emergência do PT se deu na época do “novo sindicalismo”, no contexto do surgimento de novos personagens sociais que entraram em cena, como mostrou análise de Eder Sader (1941-1988), e teve como prioridade mobilizar não só trabalhadores, mas também movimentos sociais organizados da sociedade civil.

Terceiro porque essa emergência ocorreu em um contexto que possibilitou alianças políticas com os setores progressistas de então, congregando PMDB, lideranças hoje no PSDB, igreja, sindicatos do setor produtivo e de serviços, entre vários outros que se engajaram na luta pela democratização do País. A grande especificidade do PT radicava na sua principal base política – os sindicatos dos trabalhadores –, associada aos movimentos sociais, como os de saúde, por sua vez em grande parte articulados pela igreja progressista.

Quarto porque o PT nasceu como um partido alegre – a militância não era um peso, mas uma festa, embora sempre responsável – e, o que é essencial, com capacidade de aprender. Foi com esse perfil que o partido começou a ganhar eleições em pequenos e médios municípios, fazendo inovações na gestão pública, em especial com a participação da sociedade por meio da constituição de conselhos. Estão aí as experiências do Orçamento Participativo, a constituição dos conselhos setoriais, e a implementação de programas inovadores, como os de transferência de renda. Eram experiências que expressavam “o modo petista de governar”. Mas este também era um partido que congregava os jovens: na primeira candidatura de Lula a um cargo do executivo, a célebre e alegre camiseta “Meu Primeiro Voto é do PT” é algo memorável!

Tudo isso colorido de vermelho, que simbolizava a marca de um partido progressista, que defendia os mais pobres e os explorados, bem como a democratização das instituições estatais e políticas, inclusive do próprio partido.

Hoje, as coisas são diferentes. A síndrome do “círculo de ferro da burocracia partidária” atacou o PT. Quanto mais próximos os personagens estão do poder, mais isolados e distantes, cercados pelos profissionais da política.  Os sindicatos atualmente estão pulverizados na luta contra o ataque aos seus direitos, os movimentos sociais idem, os jovens foram distanciados (mais do que se distanciaram) do partido, as lideranças tendem a minguar e novas dificilmente surgem. A sociedade se pulverizou, se despolitizou, manifestações na Avenida Paulista se tornaram um programa das elites para seus monótonos domingos. E o PT não encontra novos conteúdos que digam respeito aos segmentos mais desfavorecidos da sociedade e muito menos consegue construir – como o fez quando da sua emergência – um projeto para a sociedade. Perdeu sua principal característica original, que era aprender com seus acertos e erros.

A saída é pela esquerda, sem dúvida. Diante do avanço assombroso da direita, que sentiu cheiro de sangue e soube lançar palavras de ordem ocas, despolitizando a vida social do País, o PT ainda parece ser o principal, se não o único, partido capaz de liderar e estimular a emergência de novos personagens sociais na cena atual. Para tanto, necessita se democratizar internamente, voltar à dinâmica original de discussões abertas com seus militantes, cortar os vícios que a experiência do poder lhe trouxe e identificar suas bases sociais atuais – efetivas e potenciais. Enfim, identificar quem ele representa e pode representar, quais as suas propostas para a sociedade, e então buscar novas alianças.

Os 12 anos do PT na Presidência da República fizeram com que houvesse avanços enormes no combate à pobreza e à desigualdade social. Mas esses mesmos 12 anos acirraram as forças retrógradas da sociedade e mostraram que uma política de conciliação com as elites, tal como a praticada no período, está esgotada. Isso demanda construir de forma participativa um novo projeto para a sociedade que não seja “mais do mesmo”. Vale dizer, há de se ir além da distribuição de renda, tem-se de distribuir a riqueza; não se pode buscar o desenvolvimento a qualquer custo – hidrelétricas não podem ser construídas à custa da ameaça à vida dos indígenas e ao meio ambiente; a violência e a impunidade no campo e nas cidades têm de ser enfrentadas; reformas estruturais e a reforma política precisam constituir a perspectiva central da construção desse novo projeto; a reforma do Estado tem de ser feita para o seu fortalecimento, e não para a privatização do bem público, como vem ocorrendo com o SUS; a cultura deve ser valorizada a partir de políticas e programas culturais que incluam a diversidade da produção e da criatividade hoje existentes, e não voltados aos já consolidados no mercado cultural.

Enfim, é necessário que a pauta de uma nova agenda pública volte a ser disputada pelo PT. O partido tem de voltar a ser capaz de reconhecer os novos e velhos personagens em cena no cenário social atual com suas demandas, necessidades e capacidade de mobilização, dedicando especial atenção aos jovens. Mas mobilização e militância, isso sim deve ser resgatado de nosso passado. É necessário haver um sentido para os petistas e ser alegre, com um projeto sólido e consistente de construção de possibilidades de futuro. 

Independentemente do “sonho suspenso” (André Singer) ou do “sonho que poderia ter sido e não foi” (Francisco de Oliveira), a urgência é a busca de novos caminhos – verdadeiramente democráticos – para se criarem novas utopias que apontem para esse futuro. 

*Socióloga e professora aposentada da Universidade de São Paulo, foi diretora de programas do Ministério do Desenvolvimento Social

 


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