A ideia é a melodia, seguir o tema, embelezar o tema, mas sem complicar. Bia Goes segue isso em seu disco de estreia como solista, que leva seu nome. Ela persegue o forró como já havia perseguido a valsa em Três em 3 X 4 – Um Retrato da Valsa Brasileira, de 2009, em parceria com o percussionista Ricardo Valverde e a pianista Sílvia Goes. Bia é filha de Sílvia e do multivirtuose Arismar do Espírito Santo, o que sugere o quanto ela própria foi perseguida – assim como o irmão, o baixista-guitarrista Thiago Espírito Santo – por uma possível herança musical. E ambos não decepcionaram.
Os instrumentos de Bia são a flauta, a voz e a sensibilidade na hora de colaborar nos arranjos. Sua integração no ambiente musical se deu pela proximidade e pelo convívio. Logo estava participando de gravações como vocalista e profissionalizou-se como uma requisitada backsinger. Cantou com Toquinho, Wanessa Camargo, Sandy (sem Junior), com a cubana Omara Portuondo, ou seja, conheceu o palco, as plateias lotadas, a estrada, o sucesso pop. Mas a menina de 35 anos tem uma voz que merece vir para frente, não desmerecendo o trabalho dos cantores de apoio etc., etc. Paralelamente Bia se envolveu com grupos de choro, com o trabalho de Nelson Cavaquinho, cantou acompanhada por Arismar canções de Araci Cortes e Araci Lima – sua avó.
No caso de Bia Goes, disco solo, o forró entra como desculpa para “valsear”, assim como a valsa havia entrado em 3 X 4 para bossa-novear solta, no ritmo, um estilo puro, um “jeitão” que ouviu em casa desde criança. Ou seja, aprendeu a valsa com a bossa nova, um gênero revigorado pelo outro – vide Tom Jobim. Sempre ao lado de Ricardo Valverde, baiano, percussionista e companheiro, ela tocava com Oswaldinho do Acordeon no Pelourinho, quando veio a iluminação. Haviam tocado para um público de 60 mil pessoas, que delirou com o que aconteceu no palco. Música, pura música, o forró unindo as pessoas – não é à toa que a denominação teria vindo de “for all”.
O disco, que tem direção musical de Valverde e a maioria dos arranjos de Sílvia, passeia pela colcha de retalhos que é o forró, composta por chula, baião, xote, xaxado, arrasta-pé, para nomear alguns dos ritmos. Forró, mas fugindo do óbvio, calcado em pesquisa, voltado para o acréscimo – no bom sentido. De tradicional mesmo, o que Bia escolheu foi Rafael de Carvalho, compositor paraibano de meados do século passado, pouco gravado, mas um dos favoritos de Ademilde Fonseca, por exemplo (É Só Socó e Arrastapé). E Dominguinhos que tocou acordeon, ao lado de Sílvia e Thiago, uma parceria com Anastácia (Contrato de Separação). No mais, há do irrequieto Arismar (que “emprestou” Hai Kai e interpretou Cadê a Marreca com Bia, em vocalizes, claro) ao pacato santa-amarense Roberto Mendes, autor de Deu foi Dó, com João Mendes, que a cantou com Oswaldinho (e também toca em Arrastapé). A participação de tantos músicos ilustres também é creditada a Valverde que, além dos citados, incluiu o grande guitarrista Heraldo do Monte (Todo Mundo quer Dançar Baião, de Tito Bahiense e Manuca de Almeida) e o lendário Luizinho 7 Cordas (É só Socó e em Do Outro Lado do Quintal, de Ricardo e Juliana Valverde), à frente de um time de músicos do nível de Zé Pitoco (percussão), Olívio Filho (acordeon) e Rui Barossi (baixo), só para nomear os que mais tocaram. Uma excelência tal que nem parece que é o segundo disco de Bia Goes. Aliás, é o primeiro.
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