Formada em Medicina, em 1979, pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a carioca Dalva Maria Carvalho Mendes fazia residência em Anestesiologia no Hospital Pedro Ernesto quando soube da novidade: a Marinha havia decidido criar seu Corpo Feminino de Oficiais, que incluía quatro vagas para anestesiologista no ampliado Hospital Naval Marcílio Dias. “A oferta era de um bom salário e muita gente se inscreveu no concurso. Eu tinha me casado havia pouco tempo com Rodolfo (engenheiro Rodolfo de Castro Mendes), meu namorado de adolescência, e decidi arriscar.”
Boa aluna, Dalva foi, junto com a amiga Mariângela Foroni Sampaio, que já está na reserva como capitã de mar e guerra, uma das duas aprovadas. Dalva se formou na primeira turma de mulheres oficiais de Marinha após um ano de estudos específicos. “Ainda passei um susto porque, no meio do curso, engravidei do meu primeiro filho, Carlos Eduardo. Pensei que iriam me excluir, mas não houve problema”, ela conta.
Trinta e um anos depois de passar no concurso, Dalva, carioca da Tijuca, mulher de fala tranquila e dona de um sorriso discreto, quase sempre à mostra, entrou de vez para a história não apenas da Marinha, mas das Forças Armadas do Brasil. Ela é a primeira mulher a chegar ao posto de oficial-general, ao ser nomeada contra-almirante, no fim de novembro, pela presidenta Dilma Rousseff. “Claro que, quando entrei para a Marinha, não pensava que chegaria ao posto de almirante. Afinal, na época, o Corpo Feminino ia apenas até capitão de fragata”, diz sorrindo.
Mas uma alteração feita, em 1997, pelo então ministro da Marinha Mauro Cesar Pereira, extinguindo o Corpo Feminino e incorporando as mulheres a cada uma das especialidades e carreiras antes destinadas apenas aos homens, mudou as perspectivas. “Passou a ser um sonho, longínquo, mas, como oficial médica, sabia que o posto máximo era de almirante. Então, com o apoio do meu marido e filhos, segui adiante”, recorda-se Dalva.
Aos poucos, à medida que seguia na carreira, se destacando e assumindo funções de chefia e direção, Dalva foi granjeando o respeito de superiores e subordinados. Os vários cursos exigidos aos oficiais da Marinha para promoção ao longo da carreira foram concluídos com mérito. Finalmente, veio a promoção a capitã de mar e guerra, último posto na carreira normal de um oficial, equivalente a coronel no Exército e na Aeronáutica.
O generalato, na verdade, é uma prerrogativa especial, com seus integrantes selecionados entre os melhores, com a escolha final feita pelo presidente da República. Dalva passou a assumir postos na estrutura médica da Marinha e, ao mesmo tempo, por indicação, fez mestrado em Gestão de Saúde na prestigiada COPPEAD – Instituto de Pós-graduação e Pesquisa em Administração, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Superado o trauma da morte do marido, seis anos atrás, um novo sinal de que voos mais altos poderiam estar destinados à comandante Dalva veio em 2010. “Fui designada para o curso de Política Estratégica Naval, na Escola de Guerra Naval, curso fundamental para um oficial de Marinha poder ser, no futuro, analisado para uma promoção ao Almirantado. Fiz o curso, ganhei meu doutorado e fui nomeada, depois, para a direção da Policlínica Naval Nossa Senhora da Glória, no começo de 2012.”
Para os filhos Carlos Eduardo, 30 anos, analista de sistemas, e Luciana, 27, advogada e também primeiro-tenente da Marinha, o sucesso da mãe nas duas carreiras, de médica e militar, nunca foi surpresa. “Ela consegue, como poucas pessoas, aliar disciplina à necessidade de fazer bem-feito, de cumprir as regras com uma simpatia, um carinho, uma forma gentil de se relacionar, que acaba cativando a todos”, afirma Carlos Eduardo, sem disfarçar o orgulho.
A tenente Luciana, com sua farda branca, óculos e o mesmo sorriso controlado da mãe (ela parece uma cópia mais jovem da almirante) concorda com o irmão e vai além. A maneira absolutamente militar com que se dirige à mãe mostra que hoje o dublê de mãe e almirante é seu modelo de vida. E o que aconteceu no segundo semestre do ano passado, quando Dalva soube que seu nome tinha sido incluído na lista de promoção ao Almirantado, não foi surpresa para os filhos.
Havia, evidentemente, a concorrência de outros oficiais médicos. Mas, em 23 de novembro, Dalva recebeu o telefonema que mudou de vez sua vida. “Olha, nem lembro quem me comunicou que havia sido escolhida pela presidenta Dilma para ser promovida a contra-almirante. E, juro, esperei a publicação no Diário Oficial, no dia 25, para assumir que eu era a primeira almirante da Marinha do Brasil”, conta.
Agora, depois de ter sido apresentada oficialmente, com os demais oficiais generais promovidos em todas as Forças, à presidenta Dilma Rousseff, em 20 de dezembro, a almirante Dalva vai voltar aos estudos. Dessa vez, ao fazer, de março a dezembro deste ano, o curso da Escola Superior de Guerra, outra das exigências feitas a quem pretende ser ou já é oficial-general.
Sobre seu futuro na Marinha, ela vai esperar. “Só depois de concluir o curso da ESG é que realmente vou saber qual a minha nova comissão como almirante”, explica Dalva, que é fã de Elis Regina – “somos do dia 17 de março”. Ela considera que não demorou muito para o Brasil ter sua primeira oficial-general. “Veja, as mulheres tiveram direito ao voto somente em 1931. Um homem, para chegar a almirante, demora 30, 32 anos. Eu, da primeira turma de oficiais mulheres, cheguei a almirante ao mesmo tempo. Não tenho dúvidas de que, em pouco tempo, a diferença de gêneros não terá mais importância em nosso País, mas, sim, a diferença de aptidão. O Brasil seguirá evoluindo, devagar, é verdade, mas sem retrocesso.”
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