A literatura latino-americana sempre teve espaço no mercado editorial brasileiro. Mas, nos últimos anos, esse espaço tem se tornado ainda maior com a publicação de obras de autores ainda não muito conhecidos por aqui. É o caso do escritor mexicano Sergio Pitol, que nos últimos dez anos foi laureado com dois dos mais importantes prêmios literários hispânicos: o Juan Rulfo, em 1999, e o Miguel de Cervantes, em 2005. Mesmo com tais honrarias, até o início deste ano apenas um livro seu havia sido publicado por aqui: o romance O Desfile do Amor, em 2000, pela Mandarim Editora. Como forma de corrigir essa lacuna, a editora Companhia das Letras acaba de lançar a novela Vida Conjugal, em uma belíssima tradução de Bernardo Ajzenberg.
A história gira em torno de Jacqueline Cascorro e Nicolás Lobato, o casal cuja vida conjugal é revelada. Ambos de origem humilde, conheceram-se ainda jovens na faculdade – ela cursava letras e ele, ciências políticas -, que nenhum dos dois conseguiu terminar. Nicolás, que já não era muito dedicado aos estudos, teve de assumir a casa de ferragens do pai, quando este faleceu. Já Jacqueline joga toda a culpa de sua não graduação na família: “Em minha casa éramos cinco filhos, três mulheres e dois homens, e, até meu casamento, as três irmãs tinham de dividir um único quarto, María Dorotea, María del Carmen e eu, que ainda levava um nome horroroso (Jacqueline odiava seu nome verdadeiro: María Magdalena). Como seria possível ler alguma coisa nessas condições? Quando é que eu poderia me preparar para as provas? Ainda mais com uma lâmpada ridícula de 60 volts!”, desabafa em certa parte do livro.
De quando se conheceram até o casamento, passaram-se apenas alguns anos. “Éramos muito jovens quando nos casamos. Num certo sentido, no dia do casamento eu ainda era uma menina”, lembra Jacqueline. Ela chega a dizer que “(Nicolás) nunca me pressionou de modo indevido, e assim consegui chegar virgem ao altar, o que naqueles tempos (…) ainda era algo prestigioso”. Essa é uma das passagens fundamentais do livro, importantíssima para a compreensão do tipo de homem que é Nicolás e de como o casamento deles transformou-se em uma tragicomédia.
Nas palavras de Jacqueline, seu marido é um devasso. Na medida em que vai ascendendo social e financeiramente – nos ramos de hotelaria e turismo -, ele passa a viajar com certa frequência e aproveita essas “escapadas” de negócios para satisfazer sua luxúria. “Seis ou sete anos se passaram dessa maneira.” Até o dia em que Jacqueline, “ao quebrar com as mãos uma pata de caranguejo e ouvir uma garrafa de champanhe sendo aberta às suas costas, se deixou dominar por um pensamento que depois retornaria de modo intermitente, transformando-a, para sempre, numa mulher de ideias muito más”. O pensamento: matar seu marido.
A partir desse dia, Jacqueline tentará dar cabo de Nicolás uma porção de vezes – além de traí-lo na mesma proporção. Essas situações, que de tão absurdas chegam a ser engraçadas, revelarão detalhes de cada um dos personagens, e, apesar de nenhum deles estar do “lado do bem”, é provável que o leitor tome partido, às vezes mudando de lado no decorrer das páginas. “Todas as tragédias terminam em morte e todas as comédias em casamento.” Com uma pequena alteração, essa frase, de Lord Byron, pode definir Vida Conjugal: “Todas as tragédias terminam em morte e todos os casamentos em comédia”.
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