De guerra em guerra, escalada da intolerância

Da guerra santa à guerra suja, a campanha presidencial de 2010, que entra hoje em sua última semana, graças a Deus!, registrou uma inédita escalada de intolerância. Jogaram nos ventiladores da velha mídia e da jovem internet todos os preconceitos, ódios, medos, calúnias, mentiras, baixarias, tudo o que o ser humano pode produzir de pior.

Ainda bem que agora falta pouco. A cada dia, lendo o noticiário do jornal no café da manhã, meu estômago foi ficando mais embrulhado e teve dia em que nem me deu ânimo de escrever nada. Tentei mudar de assunto, falar sobre futebol e até do Mickey, mas não adianta. Parece que as pessoas não estão mais nem lendo o que os outros escrevem.

De nada adiantaram meus reiterados apelos para que os leitores se ativessem em seus comentários ao assunto tratado no post, evitassem agressões e ofensas, não usassem o espaço para fazer propaganda eleitoral nem escrevessem suas mensagens só com letras maiúsculas, em caixa alta, como se quisessem gritar suas verdades.

Pela primeira vez, neste domingo, fui obrigado a deletar mais comentários do que publicar. Procuro manter aqui um mínimo de civilidade, mas fico cada vez mais assustado e enojado com o que leio nas áreas de comentários em outros blogs e mesmo sobre as notícias publicadas nos diferentes portais. Em matéria de escatologia e desrespeito, chegamos ao fundo do poço.

Nem dá mais para saber o que é publicação da grande imprensa ou panfleto apócrifo distribuído nas ruas, nos templos e nos botecos. Virou tudo uma massa disforme, mal cheirosa, escondida no anonimato ou brandida por nobres colunistas. Daqui a cem anos, quando os historiadores do futuro contarem o que foi esta eleição de 2010 vão ter que colocar aquelas máscaras hospitalares.

Do alto do seu mais de meio século de competente e honesto jornalismo, sábio criador de jornais e revistas, combatente da boa luta, Mino Carta resumiu em poucas linhas qual foi o papel da imprensa nesta triste história:

“Não hesito em afirmar que nunca, na história das eleições pós-guerra, a mídia nativa permitiu-se trair a verdade factual de forma tão clamorosa. Tão tragicômica. Com destaque, na área de comicidade, para a bolinha de papel que atingiu a calva de José Serra”.

De fato, os sete minutos produzidos pelo Jornal Nacional na semana passada para provar que o candidato José Serra foi duramente alvejado por manifestantes do PT, no Rio de Janeiro, ao contrário do que mostraram as imagens do SBT, deverão constar no futuro de qualquer antologia de jornalismo de ficção.

Ao ser surpreendido pelo furo do concorrente, mostrando que a arma utilizada no atentado se limitou a uma bolinha de papel, o JN recorreu a uma foto de celular fornecida pela Folha, em que não se conseguia ver nada direito e buscou o depoimento de um perito bom bril para “provar” que, num segundo “evento”, teria sido utilizada munição muito mais letal.

A guerra suja tomou então o lugar da guerra santa que vinha alimentando a campanha oposicionista na passagem do primeiro para o segundo turno. O que falta ainda? Esgotado o arsenal do bispo de Guarulhos e do telepastor Malafaia, os dois candidatos fizeram carreatas pacíficas neste domingo no Rio, em que Lula pela primeira vez não fez discurso, e se encontram novamente esta noite no debate da TV Record.

São os penúltimos lances de uma campanha presidencial brasileira que, pela primeira vez, utilizou massivamente a internet, mas a experiência não foi das mais edificantes. Mais do que um novo e democrático meio para divulgar propostas dos candidatos, mobilizar as militâncias e angariar recursos, a rede serviu para espalhar o horror religioso, desconstruir adversários, disseminar o ódio.

Sobrou espaço, no entanto, para reflexões muito lúcidas como a do leitor JG Schneider, em comentário enviado ao Balaio às 8h52 de hoje, o primeiro que li ao abrir o computador:

“Até parece que a web vai virar uma igreja, uma Santa Web ou Santa Rede Mundial ou Igreja Mundial do Santo E-Mail. A princípio, até achava que era uma brincadeira, mas nestes últimos dias a coisa piorou e os tais “crentes do e-mail” estão se superando”.

Sim, por mais absurdo que pareça, muita gente acredita nas barbaridades que circulam na grande rede e ajuda a espalhar este lixo eletrônico.

Se não temos mais a nossa velha mídia para separar o joio do trigo – e publicar o joio, como brincávamos antigamente, e acabou virando verdade – pergunto-me o que acontecerá a partir da semana que vem, depois da apuração dos votos, quando a vida volta ao normal? Em quem ainda poderemos acreditar?


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