De Ponta a Ponta

Solo – Ana Teresa orienta os passos de Fabiana Ikehara. O complicado arabesque na ponta dos pés faz parte da coreografia In The Middle Somewhat Elevated, do americano William Forsythe

O expediente na São Paulo Companhia de Dança (SPCD) começa pontualmente às 10 horas nas duas salas espelhadas do segundo andar da Oficina Cultural Oswald de Andrade, na região central da cidade, depois de os bailarinos, devidamente vestidos de collant e sapatilhas, terem assinado o livro de ponto – quem se esquece de marcar o nome tem desconto no holerite. Enquanto eles ensaiam sob a batuta de mestres que não se cansam de “contar” as músicas para marcar o ritmo de cada um dos passos, Inês Bogéa, a diretora, permanece em sua sala decorada com quadros e esculturas de balé, ajustando os detalhes da temporada deste ano, que inclui seis criações, quatro inéditas e duas remontagens, além da terceira turnê europeia, já no próximo mês de abril. Não é pouca coisa.

Mas Inês está feliz e comemora, além dos cinco anos de atividade do grupo, a notícia de que os ingressos para as apresentações na Alemanha e na Áustria já estão esgotados. Por isso, nas salas de ensaio, os bailarinos trabalham pesado para memorizar os passos de uma coreografia inédita (e ainda sem título) do alemão Marco Goecke – autor da consagrada Supernova, já exibida em São Paulo, inspirada nas estrelas que brilham e explodem no espaço. É com essa peça que a SPCD se apresentará na Europa.

Durante uma hora e 15 minutos, os bailarinos praticam exercícios de aquecimento, de barra, diagonal e centro. Depois, relaxam por 15 minutos (quando se alimentam com bolos e sucos na cozinha) para, na sequência, seguirem em treinamento. A agenda corre e as coreografias exigem perfeição.

Ao voltarem para o Brasil, eles terão pouco tempo de preparação para a peça Por Vos Muero, do espanhol Nacho Duato, que une música espanhola dos séculos 15 e 16 aos movimentos de dança contemporânea e clássica. A apresentação está prevista para junho, no Teatro Sérgio Cardoso. Mas não podem se esquecer dos passos da nova coreografia de Goecke, que também será mostrada em São Paulo.

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Como se não bastasse, ainda haverá duas novas criações na segunda edição do Ateliê de Coreógrafos Brasileiros, uma que já está sendo montada por Luiz Fernando Bongiovanni (junho, no Sérgio Cardoso) e outra de Ana Vitória Freire (prevista para dezembro, no mesmo teatro). É de tirar o fôlego.

O ritmo vai permanecer acelerado no segundo semestre. Em agosto, a peça Petite Mort, do tcheco Jirí Kylián, ganhará releitura para compor a temporada de dança do Teatro Alfa, e, dois meses depois, a SPCD entrará em cena, no mesmo Sérgio Cardoso, para a remontagem do clássico Romeu e Julieta, o mito dos amantes de Verona imortalizado por Shakespeare – a coreografia é do italiano Giovanni di Palma e é a primeira montagem narrativa da companhia, o que obriga os bailarinos a terem aulas também de esgrima.

Além disso, os ensaios das peças do repertório – caso de In The Middle, Somewhat Elevated, do americano William Forsythe – continuam para garantir as apresentações que fazem parte das atividades de circulação de espetáculos, ações educativas e de formação de plateia por cidades do interior paulista.

Nos bastidores, a camareira Elisabeth Aparecida Roque também trabalha em ritmo alucinado. É ela quem costura e pinta sapatilhas, marca os nomes de seus donos, lava peças de roupa e cuida do figurino. “Se eu não tomar conta, vira uma bagunça.” Beth, que já esteve em outras temporadas internacionais com o grupo, também se prepara para essa.

Assinaturas e mais

Criada em 2008 com a finalidade de ser uma companhia de repertório, a SPCD comemora boas conquistas até aqui. O público, diz Inês Bogéa, mais do que dobrou, passando de quase 20 mil espectadores, no ano de estreia, para mais de 49 mil em 2012. O trabalho também cresceu: em 2008, foram 39 espetáculos e, em 2012, 79. Para este ano, ela prevê 80 apresentações. A companhia tem 41 bailarinos. Criada e mantida pelo governo do Estado, a SPCD acaba de lançar um programa de assinaturas – R$ 75, que dá direito a cinco espetáculos ao longo deste ano. Inês Bogéa, doutora em Artes pela Unicamp, documentarista e escritora, afirma que o programa (que já está à venda por meio do site ingresso rápido) faz parte do projeto de “democratização” da dança no Brasil.

Liderança – Inês Bogéa, a mulher forte da companhia, dirige a casa desde o início

Ela conta que o imperdível projeto Figuras da Dança (idealizado por Inês e Iracity Cardoso, que também dirigiu a SPCD até o ano passado), com mais de 20 DVDs sobre personalidades do balé, será mantido. Para este ano, os retratados serão Eva Schul (criadora e intérprete de dança contemporânea), Hugo Travers (bailarino), Cecília Kerche (primeira bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro) e J.C. Violla (coreógrafo, ator e bailarino).

Desde o ano passado, a companhia também administra o Dança em Rede (espécie de “Wikipédia”), site que reúne verbetes sobre escolas, obras, artistas e companhias. O bacana desse projeto é que qualquer internauta pode incluir um item no site, desde que aceito pelo filtro da SPCD.

Enquanto isso, os bailarinos continuam diante dos amplos espelhos e do olhar dos ensaiadores treinando cada passo, cada sequência. O expediente só termina às 19 horas.


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