De Sordi & Djalma

Na intensa e breve vida “boleira”, nasce-se e morre-se todos os dias. Em nenhuma outra profissão é tão curta a distância entre o paraíso e o inferno, o amor e o ódio, a glória e o esquecimento. Nos anos 1950 e 1960, dois jogadores paulistas fizeram história jogando na lateral-direita: Newton de Sordi e Djalma Santos. Com biografias e estilos parecidos, seus destinos se cruzaram de forma definitiva no inesquecível ano de 1958, na Suécia, onde o Brasil conquistou sua primeira Copa do Mundo.
. Ouvi pelo rádio que o Brasil foi campeão.”

Já no São Paulo, a carreira do lateral ainda viveu dias de glória antes de sua aposentadoria precoce, aos 35 anos, em 1965, devido a uma série de contusões. “Depois da Copa fiquei mais sete anos no São Paulo, mas com muitos problemas de contusão me enchendo o saco. A distensão, mal curada, foi piorando, piorando… Passava um mês machucado, outro não. Depois que me aposentei, ainda joguei um ano no União Bandeirantes sem me machucar. Parecia mau-olhado.”

D(e)jalma
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O nome certo é Dejalma dos Santos, mas pode chamar de Djalma. Todo mundo em Tassio Rezende, um bairro residencial na periferia de Uberaba (MG), sabe onde fica a casa do ilustre morador da Rua Martim Eminato. Foi fácil achar o endereço. Na hora marcada, o ex-lateral da Seleção estava esperando na porta, ao lado da esposa, Esmeralda. A casa é simples, mas espaçosa. A sala parece um museu.

Acomodamo-nos em um sofá na sala, ao lado de um narguilé gigante (lembrança dos tempos em que treinou garotos na Arábia Saudita) e de uma grande estante lotada de troféus, medalhas, chuteiras, placas comemorativas, fotos antigas. Em destaque, uma imagem desbotada ao lado de craques do mundo inteiro.

“Fui o primeiro brasileiro a jogar pela Seleção da Fifa, em 1963”, explica o anfitrião. Em outra foto, Djalma aparece ao lado de Zito, Gilmar, Zizinho, Nilton Santos, Didi e Vavá, na final da Copa de 1962. Na seqüência, uma terceira imagem chama a atenção: a famosa foto da final de 1958, aquela em que De Sordi não aparece. Vêem-se apenas Feola, Djalma Santos, Zito, Bellini, Nilton Santos e Gilmar, agachados. E Didi, Pelé, Vavá, Zagallo e Paulo Amaral, em pé. “É, faltou o De Sordi…”, diz Djalma.

Começamos a entrevista falando do presente. Ex-lateral da Lusa (dez anos), Palmeiras (dez anos), Atlético Paranaense (três anos e meio), Seleção Brasileira (16 anos), Djalma joga bola até hoje, mas apenas por hobby. Aos 78 anos, ainda tem fôlego para encarar dois tempos de 20 minutos todo domingo, quando encontra outros veteranos no Uberaba Country Club.

“A gente fica só chutando. Depois do jogo, a gente assa um peixe, toma cerveja e joga um baralhinho”, conta. O porte físico impressiona. Com zero de barriga, Djalma não aparenta a idade que tem. Anda, senta, levanta, fala e brinca como um menino. Ele conta que já é praticamente um cidadão de Uberaba, a cidade escolhida como retiro depois da aposentadoria.

“Minha falecida esposa tinha umas primas aqui. Eu sempre vinha passar férias. Faz 25 anos que moro na cidade. Hoje, trabalho para o Estado, como monitor de esporte. Supervisiono os núcleos de treinamento dos meninos. Gosto mesmo é de trabalhar com criança. Não gosto de ser treinador. Meu caráter não dá para isso. O treinador precisa ser cara-de-pau.”

Escolinha fechada
Djalma não gosta muito de tocar no assunto, mas antes de “ir para o Estado”, ele coordenou por 11 anos um bem-sucedido programa da Secretaria de Esporte e Lazer de Uberaba. Batizado de “Bem de Rua, Bom de Bola”, o projeto ajudava 4,5 mil meninos carentes da cidade por meio do esporte. Tudo ia bem, até o ex-ministro dos Transportes, Anderson Adauto, assumir a prefeitura da cidade e decidir acabar com os rastros da administração anterior. “O projeto foi desfeito por causa desse negócio de política. Não gosto de me meter, não sou de lado nenhum, sou de Uberaba. Mas acabou por quê? Para não deixar lembrança do antecessor.”

A casa de Djalma parece mesmo um museu. As portas estão sempre abertas para os visitantes que querem tirar uma foto com o ídolo ou ver de perto as lembranças de suas conquistas. São muitos os títulos. Eleito pela Federação Internacional de Futebol (Fifa) o melhor lateral-direito da história do futebol mundial, Djalma Santos integra todas as seleções “de todos os tempos” já elaboradas no Brasil, com destaque para a seleção das revistas Placar, de abril de 1996, e Época, de julho de 2006.

Ele foi, ainda, o primeiro brasileiro a atingir a marca de 100 jogos com a camisa canarinho. O entrevistado se diverte quando fala do passado. “Na concentração da Copa de 58, na Suécia, a gente ficava perto de uma estação de esqui. Para impressionar os russos, o treinador fazia a gente subir e descer aquilo lá.”

Assim como a maioria dos jogadores de sua época, Djalma demorou para ganhar dinheiro com o futebol. Nos primórdios da carreira, nas divisões de base da Portuguesa, saía correndo do trabalho em uma fábrica de calçados para ir treinar. Largou o emprego quando foi promovido ao time titular e passou a jogar ao lado da maior geração de craques da Lusa de todos os tempos: Muca, Nena, Noronha, Brandãozinho e Ceci; Julinho Botelho, Renato, Nininho, Pinga e Simão.

“Na década de 1950, aquele time era imbatível. Chegou a emplacar nove jogadores na Seleção Paulista. Só não foram campeões porque naquela época os juízes eram muito corruptos”, conta o psiquiatra Laércio de Almeida Lopes, torcedor fanático da Lusa e ex-jogador dos juniores do São Paulo.

“Fiquei dez anos e dois meses na Lusa. Quando saí, foi a transferência mais cara da época, para o Palmeiras, depois da Copa de 1958. Fui vendido porque a Lusa comprou o Canindé. Eles tinham que reformar o estádio, mas não tinham grana. Além do Palmeiras, o Corinthians e o Fluminense queriam meu passe. Mas aí o Oswaldo Brandão, treinador, e o Julinho Botelho, ponta-direita que tinha jogado comigo, foram em casa. Eles estavam no Palmeiras e me convenceram. Me lembro que recebi muitos telefonemas e cartas na época dizendo: ‘O Palmeiras não aceita crioulo’. Acho que fui o primeiro crioulo que jogou lá. Fiquei dez anos e quatro meses”, conta Djalma.

“O Djalma Santos foi fantástico. Herói de quem viu e ouviu pelo rádio. Um monstro sagrado do tamanho de Gilmar, Nilton Santos, Garrincha e Zito. É claro que perde para Pelé e Carlos Alberto Torres, o melhor lateral da história do mundo. Mas Djalma Santos foi tão genial que conseguiu fazer mais de 120 jogos pela Seleção Brasileira, mesmo jogando em épocas em que a Seleção jogava 60% menos do que atualmente”, lembra Milton Neves.


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