A Parker tem ajudado a escrever a História do Brasil e pretende, em dobradinha com sua coirmã – a grife Waterman -, continuar escrevendo, mesmo nessa época desafiadora de internet, Facebooks, Twitters, Kindles, iPads. Época em que o ato de desenhar palavras no papel parece condenado ao mais irremediável anacronismo, junto com cartas caprichosamente caligrafadas, livros de receitas da vovó e aqueles blocos de notas à moda de repórteres da velha guarda.

Se é assim, se canetas – as de pena, e mesmo as esferográficas – padecem da sina de peças de museu, por que será que Monsieur Jean-Charles Hita, CEO mundial da Waterman-Parker, abre esse sorriso tão franco e tão convincente quando o assunto é o futuro, o futuro de seu negócio, bem entendido?

M. Hita – francês de raiz espanhola – esteve recentemente no Brasil para prospectar o mercado e se encontrar com seus distribuidores exclusivos desde 2005, a Tripen (de Fabio Gaz e José França, este ex-Montblanc), e deu para notar que nosso País, assim como os demais países emergentes, está por trás do seu sorriso. “O negócio das canetas está longe de ser decadente”, diz ele, na visita à exposição das canetas Parker-Waterman, no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo. “Ao contrário, as pessoas estão entendendo que, no nosso setor, há avanços tecnológicos tão excitantes quanto os da comunicação digital” (a propósito, ele sussurrou que está a
caminho uma caneta-tinteiro capaz de escrever com sucesso de baixo para cima, em qualquer ângulo).
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Brasileiros fez a Hita a pergunta que não quer calar: comprar caneta hoje não é apenas um capricho de colecionador? Não é como comprar relógio quando qualquer celular lhe diz facilmente a hora? Quem ainda irá escrever uma carta de amor se pode digitar um, dois, dez, centenas de SMS instantâneos, dilacerados de paixão?

Jean-Charles Hita está entre aqueles que acreditam que tecnologias diferentes podem subsistir sem conflito, da mesma forma que os meios de comunicação não se substituem uns aos outros. “Livros não acabarão”, aposta ele. “E esta entrevista não faria sentido se vocês e eu não acreditássemos na sobrevivência do suporte papel.” O lema da companhia é: pela escrita, podemos reconectar o mundo.

Sem falar, claro, do quesito elegância. Para um conterrâneo de Marcel Proust e de Coco Chanel, elegância e sofisticação são ingredientes da própria vida. “O dono de uma Parker, ou de uma Waterman, enverga sua caneta sem alarde, sem exibicionismo”, define Hita. Em tradução livre: o resistente da caligrafia jamais usará seu objeto de desejo assim como fazem certos proprietários de relógios de grife, loucos por chacoalhá-los na cara dos outros, à moda do Sinhozinho Malta, da novela Roque Santeiro.

Jean-Charles Hita, na condição de atual presidente internacional da Fine Writing and Luxury Accessories, braço do conglomerado de DNA americano Newell Rubbermaid, zela por um duplo legado que, um dia, inesperadamente se juntou no horizonte.

Parker vem de George Safford Parker, professor de uma pequena escola em Janesville, Wisconsin. Para engordar o orçamento, vendia e consertava canetas-tinteiro. Tão precárias eram, que decidiu construir e patentear a sua – com a promessa de que não haveria de vazar pateticamente sobre o papel como até então acontecia. A primeira Parker é de 1888.

Waterman tem uma história parecida e quase simultânea. Só que Lewis Edson Waterman, ex-agente de seguros de Nova York, patenteou a sua quatro anos antes e logo abriu sua primeira loja. A Waterman se deve ao sistema de capilaridade – o mesmo usado até hoje por todas as melhores canetas-tinteiro do mundo. Sob o mesmo guarda-chuva da Newell Rubbermaid, tanto as preciosidades Waterman quanto as da marca Parker são fabricadas ali onde o requinte artesanal é mais apurado: na França.

Parker serviu a talentos legendários, de Ernest Hemingway a Pablo Neruda, do compositor Giacomo Puccini aos rabiscos nervosos do detetive Sherlock Holmes, personagem de ficção de Arthur Conan Doyle. Albert Einstein demonstrou, com uma Parker na mão, sua Teoria da Relatividade e David Rockefeller dela se servia para assinar seus polpudos cheques.

Uma caneta-tinteiro de fato não é como uma máquina de escrever – esta, sim, definitiva peça de museu. Caneta produz afeto, induz a uma relação pessoal e intransferível e não por acaso presencia – e mesmo protagoniza – momentos de agudo valor histórico.

Com uma Parker 21, cravejada de brilhantes, Getulio Vargas assinou sua Carta Testamento, em agosto de 1954, antes de desfechar contra o peito o tiro fatal. A caneta desapareceu e, assim, nasceu a lenda de que ela teria sido presenteada ao então ministro da Justiça, Tancredo Neves que, por sua vez, dizia-se, pretendia usá-la em sua
posse na Presidência, em março de 1985 – aquela posse que não houve.

Na realidade, a caneta de Tancredo era uma lindíssima Parker 51, folheada a ouro, que ele ganhou em 1962 e que terminou, sim, por cumprir o rito altamente simbólico de servir a um presidente da República – no caso, o neto dele, Aécio Neves.

É, Aécio ficou presidente por 77 horas, em junho de 2001. Na condição de presidente da Câmara, beneficiou-se da ausência dupla de Fernando Henrique Cardoso e do vice Marco Maciel para sentar-se interinamente na cadeira mais cobiçada do País. Para dar à cerimônia o sentido de uma reparação histórica, Risoleta Neves levou a Brasília a caneta do marido, com a qual o neto Aécio assinou o ato de posse. Fotografada em detalhes, a Parker 51 virou estrela do presidencial evento.


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