Desafios e objetivos da saúde pública no Brasil

Apesar de reconhecidos programas de ampliação e melhorias de atendimento na saúde, o Brasil ainda caminha entre resultados bons e ruins nos indicadores sociais mundiais dos setor: aumentou drasticamente – e foi elogiado pela ONU por isso – a expectativa de vida, passando de 66 anos na década de 80 para 74 anos em 2012, na 82ª colocação, num ranking da OMS liderado pelo Japão, que investe pesado em bem-estar social, com 84 anos. Em mortalidade infantil, também não está longe dos primeiros colocados, com 1,6% de mortes de crianças até cinco anos de idade proporcionalmente à população. A Estônia lidera com 0,4% de mortes. Nos gastos com o setor, o Brasil, porém, fica para trás, na 47ª colocação, com 8,9% do PIB destinados à área, distante da Costa Rica, melhor latino, com 10,9% do PIB e da Libéria, na África, que usa 19,5% do que produz para cuidar dos seus doentes. Coincidentemente, é o país que mais sofre com o surto do ebola atualmente. Abaixo, opiniões distintas sobre os desafios e objetivos da saúde pública no País de especialistas ouvidos por Brasileiros.

Rumo certo

Foto: Rogélio Casaso/ PICICA/ 2006
Foto: Rogélio Casaso/ PICICA/ 2006

Antônio Lancetti
Psicanalista

“A saúde pública brasileira já é um exemplo para o mundo com o SUS, que é um programa bem-sucedido, apesar de tudo o que se fala, e na medida em que ele avança, surgem novos programas de saúde inteligentes. O Brasil reduziu a mortalidade infantil, a mortalidade materna, e a área psíquica, onde trabalho, é também é um bom exemplo. Acredito que precisamos melhorar o volume de orçamento destinado ao setor, o preconceito em relação à saúde das mulheres e à AIDS, sobre a forma como as drogas agem e como a legislação não contribui para isso. Enfim, fazer outros programas diferentes ainda é um desafio. Especificamente na minha área, a psiquiátrica, mental, tivemos avanços em muitas áreas: a substituição do parque de manicômios que tínhamos foi substituída quase totalmente por locais com serviços de hospitalidade, emergência, e que não prendem as pessoas com problemas por vários anos. Um outro desafio também é a falta de vagas em universidades de medicina, que não se preocupam em formar novos profissionais e ainda reclamam quando o governo resolve buscá-los em outros países, como o programa Mais Médicos. A USP não abre novas vagas para os cursos de medicina desde 1958 e forma cerca de 180 doutores por ano, número pequeno se comparado ao tamanho do País. E as universidades não se preocupam, mas deveriam se preocupar. Há um aumento significativo dos direitos humanos, uma diminuição da indigência e da pobreza, mas ainda precisamos fazer mais. Os desafios também são consequências dos avanços que tivemos nas últimas décadas. Para os próximos anos, temos que qualificar, ampliar, continuar diminuindo ainda mais a pobreza, a miséria, que influem diretamente no setor de saúde, melhorar ainda mais os índices de mortalidade materna, infantil, focar também na saúde dos adolescentes, já que o País conseguiu diminuir a taxa de filhos por mulher, mas não teve sucesso com a gravidez na adolescência. Em suma, seguir os caminhos que já estão traçados”.

Caos do sistema de saúde pública

José Maria Arruda aponta crise na saúde brasileira. Foto: Sindicato dos Médicos do Ceará
José Maria Arruda aponta crise na saúde brasileira. Foto: Sindicato dos Médicos do Ceará

José Maria Arruda Pontes

Presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará

“Nós estamos vivendo uma crise como nunca vivemos, e um dos principais motivos está nos pequenos orçamentos que temos. A União transferiu, na constituição de 1988, a responsabilidade deste setor para os municípios, mas não repassa o dinheiro necessário para que exista o mínimo de qualidade na área. Toda vez que surge um projeto de aumentar a participação da União na saúde no legislativo, o Executivo não sanciona. Tem um tramitando atualmente no Congresso – feito por iniciativa popular – que pede destinação de 10% da receita bruta do País para a saúde, mas a presidente Dilma Rousseff já disse que, se chegar nela, vai vetá-lo. É muito difícil fazer saúde sem dinheiro e os Estados e municípios já disseram que não podem cuidar do setor sozinhos. O Brasil, hoje, em PIB per capita, gasta menos com saúde que países com Argentina, Chile, Uruguai, alguns africanos, por exemplo. É um problema sério. Repito: sem dinheiro não se faz saúde. Eu tenho viajado pelo nordeste, especificamente, e visto o caos que estamos vivendo. Não tem leitos de enfermaria, de UTI, filas de anos para cirurgias, exames. Está muito difícil. Eu acredito que o próximo presidente precisa ter uma abertura muito grande para conversar com entidades, conselhos e grupos da área de saúde – e não apenas médicos – para ouvi-los, porque quem cuida da saúde do País hoje são burocratas que nunca fizeram um plantão na vida. Melhorar o repasse de verbas é o grande objetivo que precisamos colocar nos próximos anos, mas ainda adequar os médicos em carreiras, dar a eles melhores condições para trabalhar no interior do Brasil, para que façam uma saúde regular, não digo nem excelente, e deixar os médicos mais seguros para trabalharem”.

Ampliação do atendimento e enfrentamento aos convênios médicos

Foto: INAIRA
Foto: INAIRA

Ubiratan de Paula Santos
Pneumologista do Incor e membro do Conselho da Escola de Sociologia de São Paulo

“Os principais desafios são ampliar a atenção à saúde para toda a população, melhorar a qualidade da atenção à saúde, com equipes multiprofissionais mais qualificadas e mais diversificadas nas especialidades; enfrentar os planos de saúde, que limitam direitos ao atendimento, oneram o sistema público e contam com isenção tributária, mas tem força política suficiente para manterem este padrão de conduta, enfrentar a judicialização da saúde – ações que obrigam atendimento a procedimentos de alto custo, fora de critérios prioritários para sistemas públicos de saúde, ampliar do ensino e capacitação à distância e instituir o serviço de saúde civil obrigatório para todos os profissionais de saúde, em particular para categorias com carência em centros periféricos como médicos; como está sendo iniciada, mas ainda limitado, com a residência médica em serviço publico”.

Carência de atendimento

Lázaro Rivera
Médico cubano em Coronel Fabriciano, Minas Gerais

“O que mais me chamou a atenção no Brasil é como as pessoas – nos locais mais afastados dos grandes centros – são necessitadas de atenção médica. E são pessoas de muito baixo recurso e que nunca tiveram acesso a serviços médicos de qualidade, por isso ficam até emocionadas quando se veem próximos de um profissional de medicina. Por isso, é possível dizer que estamos aqui mais por uma questão humanitária do que pelo dinheiro. Não é o dinheiro que deve nos mover a ficar no Brasil. Então, eu acredito que a saúde brasileira precisa ser, neste momento de melhoras, concedida para a população mais pobre, que realmente tem acesso restrito a qualquer tipo de atendimento”.

Em agosto, a edição impressa de Brasileiros trará várias opiniões sobre alguns setores da vida brasileira e os seus principais indicadores sociais, entre eles o sistema educacional. O material faz parte da reportagem intitulada “O que queremos do Brasil”.


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