Desconexão absoluta

Ontem, o meu computador deu defeito. Daqueles inexplicáveis. Só entendi que não dava para enviar os meus e-mails, já que a internet tinha saído do ar. Por que saiu do ar? Ah, isso nem o Terra, nem a Claro, nem o técnico tinham ideia. Quem sabe foi dar um tempinho no bar da esquina, como o meu pedreiro que, quando quer tomar uma cachaça, diz: “Tá faltando material…”. Então, passo pelo bar da esquina, onde o vejo bebendo, e percebo que o material que faltava era para ele. Volto para casa e espero também pela faxineira que não veio, o que, aliás, é um pleonasmo. Nenhuma faxineira vem nos dias e horas marcados. Para que marcam, então? Como diz o Drauzio Varella sobre homeopatia. “Sabe para que serve? Para nada!” Quinze dias depois, aparecem dizendo que tiveram de ir para o hospital, que passaram muito mal, que a filha sumiu, o filho foi ficar com aquela vigarista… Enfim, fazer comida que é bom, como diz o Drauzio: “Nada!”. Arrumar a casa, nem pensar, varrer o jardim, ora, francamente… Então, faço tudo isso, exausta, tento de novo o computador que diz que eu não posso me conectar. O celular, que eu não tenho créditos. O telefone, que se dizia normal, alega que o número que eu liguei não existe. Por que são tão mal-educados, meu Deus! Só por que são “os caras” da nova tecnologia?! Ligo para a Claro e, depois de ouvir de zero a nove números para me conectar com alguma daquelas vozinhas do outro mundo que também não servem para nada, a não ser pra te levar pro hospício, consigo, quase em prantos, e engolindo dois rivotris ao mesmo tempo, falar com uma pessoa de carne e osso que começa a me perguntar coisas absolutamente futuristas das quais não tenho a menor ideia do que querem dizer. Termos técnicos, siglas atuais Não sou mais atual, meu Deus! Estou parecendo aquelas mulheres de antigamente, que ainda combinavam bolsa com sapato! Não falamos mais a mesma língua que essa geração tecnológica! Meu neto, de cinco anos, pede para eu ligar o DVD e quando me atrapalho com os botões ele me diz:

– Vó, mas isso é básico!

Básico para ele, meu Deus! O básico para mim era Monteiro Lobato que o “politicamente correto” atual, chama de racista. Ah, fala sério! Estamos comentando sobre os anos trinta, de uma pessoa comunista e cheia de humor!

Minha amiga, autêntica representante dos anos 1960, olha para o meu computador e me aconselha:

– Compra um LSD. Eu comprei. É ótimo!

– Eu sei! Respondo quase enlouquecida. Nós duas já compramos muitos! Já viajamos demais! Mas o que tem o LSD a ver com a tecnologia moderna, céus!? Você acha que nos prejudicou a mente?

– Mas por quê? Pergunta minha amiga. Um computador de última geração, bonito, magrinho, sem bunda, iria nos prejudicar?

– Ah, meu Deus, Rose! Você está falando de LCD! O tipo de computador sem bunda! Aliás, hoje mais nada tem bunda: nem computador, nem televisão, nem carro. Sobrou mesmo foi para a mulher melancia! E depois, para de falar de LSD que eu hoje recebi um e-mail com uma lista para assinar, dizendo: “Eu ajudei a destruir o Rio de Janeiro”. Quando penso que, finalmente, fiquei livre da culpa eternizada no meu inconsciente, vem o computador, o celular, o telefone e agora um e-mail me acusar de toda a culpa do mundo! Também consumi drogas na época hippie, tendo como missão a paz e o amor. Guerra?! Quem queria saber de guerra? Não assinei. Não podia imaginar que um simples baseado, que eu nem gostava muito, pudesse dar no que deu! Estava de carona no exílio, em Paris, quando tomei o primeiro ácido, nos anos 1970, e lá não tinha morros, muito menos habitados por traficantes. Nunca fui drogada, assim como Monteiro Lobato não era racista. Houve época em que se vendia cocaína nas farmácias, como me contou o Di Cavalcanti, que também não era drogado. É… O tempo passa, e com ele os hábitos, a tecnologia e os conceitos…


*Maria Lucia Dahl é atriz. Atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e miniséries. Também cronista do Jornal do Brasil – onde ainda tem uma coluna na versão on-line -, teve seus textos compilados em O Quebra-Cabeças, publicado pela Imprensa Oficial, em 2005.

Ela é carioca – EDIÇÃO 41

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