Detalhes em preto e branco

SetembroEm 1º de setembro de 2010, uma nação celebrou 100 anos. Uma massa com mais de 24 milhões de fanáticos. Loucos. Louco por ti, Corinthians! O alvinegro de Parque São Jorge comemorou o centenário no primeiro dia de setembro e Nirlando Beirão, diretor-adjunto da Brasileiros, relembrou e revelou como começou sua paixão pelo Timão.


Como sou do tempo das trincheiras de Verdun, na Primeira Grande Guerra, contemporâneo dos espartilhos de Sarah Bernhardt e das seduções de Mata Hari, nem me lembro direito quando é que virei corintiano. Você se descobre velho, escreveu sabiamente Italo Calvino, quando esquece um ano inteiro de sua vida. O que terei eu feito, digamos, em 1932?Pois bem, desconfio, vejam bem, desconfio que minha iluminação, aquilo que os intelectuais chamam de o estalo de Vieira, aconteceu ali por 1965, 1966, no improvável estádio do Canindé, numa partida Corinthians x Portuguesa. Poderia ter escrito “conversão”, mas sei que já era corintiano na barriga de minha mãe.(Abro parênteses para a melhor história de iluminação que conheço: o hoje ator Dan Stulbach, então com cinco anos de idade, estava ao lado de sua avó assistindo àquele jogo redentor de 1977 e ao perceber a descabelada alegria daquela sisuda matriarca judia da Barra Funda decidiu-se: ‘essa coisa chamada de Corinthians deve ser muito boa mesmo’).Levou-me naquela tarde ao Canindé, claro, meu pai – tão apaixonado por futebol que acordava mais cedo aos domingos para ver pela TV aqueles solteiros e casados da várzea. Meu pai era Atlético em Minas, Vasco no Rio, Corinthians em São Paulo, Inter no Sul, Porto, em Portugal, e por aí afora. As pessoas hoje não entendem, mas é simples: não havia ainda o campeonato nacional e a gente torcia, sem nenhum constrangimento, para múltiplos times.Voltando ao Canindé: 4 a 3 para a Portuguesa, finalzinho de jogo. A Portuguesa tinha um timaço. Mas, empurrado pela Fiel, o Corinthians pressionava, pressionava, e chegou ao empate. Tempo normal esgotado, o juiz de apito na boca, eis que ele ainda anota uma falta para o Timão. No meio do campo. Flávio, nosso afogueado centroavante, faz menção de bater direto, iniciativa digna de um completo mentecapto, e o goleiro da Portuguesa, o futuro tricampeão Félix, mandou que os zagueiros saíssem da frente, naquele gesto característico de abre-alas. Ao deboche, o Minuano respondeu com um tirambaço que caprichosamente se aninhou no ângulo de Félix. Corinthians, 5 a 4.Eis aí, num golaço abençoadamente cretino, a graça de ser Corinthians, o orixá das paixões, o autêntico santo padroeiro das causas impossíveis. Para o corintiano, vocês sabem, o futebol é apenas um detalhe.

100º


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.