O mundo precisa parar com as cobranças. Especificamente àquelas referentes às dívidas de cartões de crédito. E já que estamos no assunto, coloquem na conta também as prestações de carro, lojas de departamentos, escolas das crianças, padarias etc. A situação atinge proporções de calamidade pública, afetando a saúde de milhões de seres humanos. Nos Estados Unidos, por exemplo, cada norte-americano deve algo em torno de US$ 14 mil, somente para cartões. Homens, mulheres, crianças, velhos e, desconfio, animais domésticos estão endividados até o pescoço. Há quem diga que a catástrofe se estenda também aos objetos inanimados: postes, armários, vasos, e até as cuecas, estão devendo até as cuecas.
No Brasil, onde as estatísticas costumam ser menos confiáveis, só Deus sabe quanto são os sem-crédito, os devedores, os sem-dinheiro. O presidente de uma empresa brasileira de seguro disse-me que muitos patrícios não têm crédito, porque também não têm endereço. Ou seja: quando não se pode mandar uma conta, ou um cobrador, não se concede o benefício das prestações. Estes, portanto, estão a salvo. O resto é forçado a suportar as investidas das agências de coletas.
A prática mais abominável da cobrança é feita pelo telefone. Antigamente, pelo menos se escrevia uma carta, avisando que o papagaio iria para o pau. Hoje, o sujeito inocentemente atende uma ligação e é obrigado a ouvir a ameaça, viva voz, de alguém que nem sequer conhece. Tenho um amigo que não consegue ganhar o dinheiro para saldar as dívidas, pois passa o dia no telefone com cobradores.
Nos Estados Unidos, os avanços tecnológicos já respondem às demandas deste imenso público consumidor e não pagador. Foram criados serviços de atendimento a cobradores. O esquema funciona assim: o endividado paga – adiantado – uma taxa de US$ 360. Recebe pelo correio uma maquininha que deve ser acoplada ao fio do telefone. Como os departamentos de cobrança foram mandados para fora do país, para o barateamento de custo de mão-de-obra, as chamadas são feitas de outras nações. São ligações via Internet, por sistemas como o NetPhone. O aparelho detector de aporrinhações saca que a chamada está vindo da Índia, Caribe, China ou Pernambuco, que são grandes centros cobradores. Imediatamente, a ligação é transferida para o escritório central dos exterminadores de cobranças. Um aguerrido time de debatedores, murrinhas, mal-humorados, munidos de argumentações legais, atende o telefone e desce a língua no indiano, pernambucano, jamaicano ou chinês que se atreveu a arriscar, em inglês tosco, um acerto de contas.
Durante um ano, coberto pelo mísero valor de 360 doletas, o devedor fica livre dos cobradores e ainda tem a satisfação de receber um relatório contendo os desaforos que seus guarda-costas jogaram na cara de quem se atreveu a chamá-lo pelo telefone. Em termos de avanços sociais e científicos, ninguém bate os norte-americanos.
E pode esperar: o sistema vai pegar no Brasil. Pode demorar um pouco para chegar, mas, como ocorreu com outros grandes inventos, como o Iphone, o Ipod de 80 gigas e o aspirador de pó robô, esse detector de cobradores também virá para o baixo trópico. Meu amigo, padrinho de casamento, vai poder trabalhar tranqüilo para pagar suas dívidas, ou contrair novas. Sua filha, que mora nos Estados Unidos, e como ela própria reconhece tristonha que “não herdei os olhos verdes de papai, mas sim o seu gosto por estourar cartões de crédito”, vai se valer do serviço abençoado já neste mês. Só está esperando juntar US$ 360, o que está difícil, por enquanto.
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