Dez anos esta noite

Intimismo – Rodolfo Lima vive Alice na peça Réquiem para um Rapaz Triste

Poucos autores brasileiros surgidos depois da década de 1970 construíram uma obra tão impactante e influente quanto o gaúcho Caio Fernando Abreu. Dono de uma escrita econômica, marcada por períodos curtos, frases cuidadosamente bem construídas e lirismo indiscutível, é praticamente impossível ser imune a sua prosa. Pedras de Calcutá, Morangos Mofados e Triângulo das Águas, entre ouros títulos, são hoje vistos como marca das gerações de 1970 e 80.

Caio Fernando Abreu, que também escreveu peças de teatro e atuou como jornalista, foi perseguido pelo DOPS em 1968, escondendo-se em Campinas, no interior de São Paulo, protegido pela amiga e escritora Hilda Hilst. Mais tarde, exilou-se na Europa. Ele iniciou sua carreira nos anos turbulentos e inumanos da ditadura militar, fazendo parte de uma geração em transe entre a ilegalidade da luta armada e o medo da máquina de controle do Estado pronta a punir os que ousavam pecar pelo livre pensamento – não é de estranhar que um dos principais temas da obra dele seja a solidão.

O autor sempre explorou como poucos o abismo incrustado nas almas solitárias dos centros urbanos, o que pode explicar a longevidade de um espetáculo teatral com base em sua obra que acaba de completar dez anos em cartaz. Réquiem para um Rapaz Triste – 10 Anos é o título do evento que comemora o sucesso e traz novamente a montagem do texto a São Paulo, desta vez com exposição de vídeos e fotografias.

Também dramaturgo e jornalista, Rodolfo Lima buscou inspiração nas personagens femininas do universo de Caio Fernando Abreu para conceber o monólogo Réquiem para um Rapaz Triste. No texto, Alice, uma mulher na faixa dos 40 anos, divide com a plateia sua vida e analisa as escolhas feitas até o momento, em uma conversa franca, confessional e extremamente crua. A montagem, de formato intimista, dispensa recursos como iluminação e sonoplastia, e é encenada em um cômodo da casa da personagem, interpretada pelo próprio autor da peça, com o objetivo de colocar o público na intimidade do universo representado.

Uma década depois da primeira montagem, o espetáculo já esteve em 23 espaços somente em São Paulo. Também passou por Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza e Rio de Janeiro, além de quatro cidades baianas. A trajetória pode ser conferida na linha do tempo que faz parte da exposição pontuada por referências, fotos, vídeos e depoimentos.

A mostra também traz outros trabalhos escritos por Lima, como Cerimônia do Adeus (continuação de Réquiem), Bicha Oca, concebida a partir de textos do pernambucano Marcelino Freire, e DESamaDOR, adaptada da obra O Amor Esquece de Começar, de Fabrício Carpinejar.


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