Dia dos Pais sem ele há 50 anos

Ao abrir meu computador portátil nesta manhã deste domingo, com a casa ainda em silêncio e a volta do sol espantando o frio dos últimos dias, lembrei-me que hoje é Dia dos Pais. Sempre são as filhas que me lembram da data, mas hoje acordei antes do que elas, e me lembrei do meu pai, que morreu em 1960.

Está fazendo 50 anos que passo este dia sem ele, e cada vez sinto mais a sua falta. É normal, quando você perde o pai aos 12 anos, que a dor seja grande no começo e depois vá diminuindo com o passar dos anos, restando apenas uma vaga lembrança.

Pois comigo está acontecendo o contrário: quanto mais velho fico, mais me lembro dele e menos me conformo com sua partida tão cedo, aos 38 anos, quase a mesma idade da minha filha mais velha.

Esta semana a saudade apertou mais ao assistir sozinho à queda do São Paulo na Libertadores, sem ter com quem dividir a dor e a bronca de mais um título perdido. Das lembranças que tenho do velho Nick – para mim, ele era velho porque eu era menino – o que mais me aproximava dele era o futebol de domingo com o Tricolor em campo.

De manhã, a gente ia ver jogo na várzea e, à tarde, seguíamos para o Pacaembu porque o Morumbi ainda não existia, estava começando a ser construído. Vi o estádio surgir do nada, quando havia só um gramado em meio a um grande descampado e um barracão que servia de vestiário.

Acompanhei muitos treinos ali nos sábados de manhã e depois seguia com meu pai para dar carona a alguns jogadores até o Hotel São Paulo, no Vale do Anhangabaú, onde o time se concentrava.

A última vez que vimos juntos o São Paulo ser campeão foi na decisão do Campeonato Paulista de 1957, quando o São Paulo meteu 3 a 1 no Corinthians, naquela tarde que ficou conhecida como a da “guerra das garrafadas”. Muitos torcedores ficaram feridos – entre eles, meu pai. A partir deste dia, proibiram a venda de garrafas de cerveja nos estádios.

Lembro-me até hoje da escalação do time campeão: Poy, De Sordi e Mauro; Sarará, Vitor e Riberto; Maurinho, Amauri, Gino, Zizinho e Canhoteiro. Era um timaço de fazer gosto. O técnico era o húngaro Bela Gutmann, um senhor muito sério que impunha respeito.

Nikolaus Kotscho, que todo mundo chamava de doutor Nick, tinha vindo da Europa para o Brasil, sem falar uma palavra de português, apenas nove anos antes, em 1948, ano em que nasci, pouco depois da chegada dos meus pais. Mas já estava tão enturmado e falando tão bem a lingua nativa, que parecia ter nascido aqui. Tinha facilidade para aprender: falava sete línguas correntemente, sem sotaque.

Era engenheiro civil e passava a maior parte do tempo viajando, tocando obras de usinas e novas fábricas no interior paulista do pós-guerra. Filho de russos, nasceu na Bessarábia, depois emigrou para Montenegro, na antiga Iugoslávia. Da Bessarábia só sei que lá também nasceu o grande jornalista Samuel Wainer.

Gostava de uma farra com os amigos, que carregava para casa tarde da noite para desespero da minha mãe. Sobrevivente de guerra, parecia viver cada dia como se fosse o último, como se soubesse que não lhe restava muito tempo pela frente. Não dava bola para dinheiro: ganhou e perdeu muito, até descobrir que estava com câncer.

Bem cedo, ainda de calças curtas, comecei a acompanhá-lo nas festas, boates e campos de futebol da vida. Eu queria ser jogador, cheguei a fazer teste na “peneira” do São Paulo, mas o goleiro Poy, que era amigo do meu pai e tinha virado técnico das equipes de base, me convenceu que eu não levava jeito.

Mais tarde, quando comecei a trabalhar como jornalista, e chegava de madrugada em casa, a bronca da minha mãe era sempre a mesma: “Você está ficando igualzinho ao teu pai!”.

Mal sabia ela que para mim isto era um elogio.

Em tempo: pedi para minha filha mais velha, a Mariana, ler este texto, quando ela me ligou agora de manhã. “Antes, você tem que ler o meu”, ordenou-me ela, como costuma fazer. Pois é, tivemos a mesma idéia, não muito original. O texto da Mariana, que também é jornalista, sobre o pai dela está no site:


www.papodemae.com.br


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