A União Europeia está em ebulição. As eleições parlamentares, realizadas em meados do ano passado, revelaram uma das poucas certezas que rodeiam o continente: as ideologias de extrema-direita voltaram a crescer. Para se ter ideia, basta relembrar os números. Na eleição do Parlamento Europeu em 2009, 47 das 751 cadeiras foram ocupadas por deputados da extrema-direita, considerando as principais correntes às quais os políticos pertencem: Movimento pela Europa das Liberdades e da Democracia e Aliança Europeia dos Movimentos Nacionais. Já nas eleições de maio de 2014, mais de 80 deputados filiados a partidos eurocéticos (que desconfiam da União Europeia) conquistaram assentos, aumentando suas representatividades e participações nas políticas sociais e econômicas do continente.
Entre os partidos que mais ganharam cadeiras se destacam o francês Frente Nacional, o maior de extrema-direita da Europa, e o britânico Partido pela Independência do Reino Unido. Este último tem forte influência de Margaret Thatcher, é liderado por Nigel Farage e foi o que mais cresceu: angariou 23 cadeiras no Parlamento com 27,7% dos votos, o maior entre os britânicos. Em 2009, havia recebido 16,5% dos votos ou 12 cadeiras.
A Frente Nacional, de Jean-Marie Le Pen, obteve mais de um quarto dos votos franceses no ano passado, resultando em uma eleição histórica que colocou o grupo como o mais votado da França. O partido ficou com 24 cadeiras – tinha três em 2009.
Esses grupos possuem visão taxativa com relação a temas latentes à comunidade: não acreditam que o euro e a permanência na União Europeia sejam o caminho para o fim da crise, defendendo o restabelecimento da soberania nacional de cada país. Os nacionalistas ainda acreditam que a União Europeia interfere demais na gestão socioeconômica das nações, com ênfase nas medidas de austeridade proporcionadas por um trio de ferro: a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.
Para Lúcio Flávio de Almeida, pós-doutor em Ciências Sociais pela Universidade Paris 8, a União Europeia falhou ao tentar criar uma entidade supranacional e a atual crise econômica acirrou o debate em torno da necessidade da permanência dos países no bloco: “A União Europeia prometia um tipo de cidadania mais ampla, só que essa promessa não se concretizou porque o bloco se mostrou pouco democrático e dependente da política econômica da Alemanha”. Segundo ele, as dificuldades de restabelecer a economia da região explicitaram contradições das políticas da União Europeia. “Ao mesmo tempo que querem facilitar a circulação de capital, também querem dificultar a circulação de pessoas.”
A aversão aos imigrantes também é um denominador comum dos partidos conservadores. Com a crise econômica, as oportunidades de emprego se tornaram mais escassas e os políticos viram nesse vácuo uma chance para disseminar o pensamento anti-imigração (especialmente em relação a árabes e negros). De acordo com Marijane Lisboa, doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a relação do continente com os imigrantes vem de décadas e as adversidades que a economia enfrenta amplificam o pensamento xenófobo: “A Europa foi reconstruída com a força imigrante. Depois, os países começam a defender a tese de que esses homens e mulheres não são pessoas, são apenas mão de obra”.
As exceções
Por outro lado, novas alternativas de esquerda se fortalecem, com Grécia e Espanha como principais representantes dessas forças. A Coligação de Esquerda Radical, ou Syriza, aliança eleitoral formada por 13 partidos e organizações de esquerda, foi a grande vencedora das eleições europeias do ano passado na Grécia, conquistando seis das 21 cadeiras destinadas ao país no Parlamento Europeu. Em janeiro último, o líder da coligação, Alexis Tsipras, foi eleito primeiro-ministro.
Na Espanha, o partido-movimento Podemos, que surgiu após as manifestações de maio de 2011 reivindicando mais participação popular na democracia, se transformou em grande força a partir das redes sociais. Nas eleições europeias do ano passado, poucos meses após a fundação do grupo, o partido conquistou cinco cadeiras no parlamento, com 7,9% dos votos na Espanha. Recentemente, obteve expressiva votação nas eleições municipais e regionais, elegendo a ativista social Ada Colau como prefeita de Barcelona.
Existe ainda uma possibilidade de conquistarem a prefeitura de Madri, historicamente ligada à direita, se um acordo entre o Podemos e o PSOE (Partido Socialista Obreiro Espanhol) se sacramentar. A Europa ainda não está entregue ao nacionalismo.
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