Direitos humanos: anatomia do erro que abriu a crise

O presidente Lula estava em Natal, escala técnica da sua viagem à Dinamarca, no começo de dezembro, quando foi alcançado por um telefonema do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que lhe relatou o descontentamento dos militares com a versão final do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos.

O ponto mais sensível tratava da criação de uma Comissão da Verdade para investigar violações contra os direitos humanos praticados por agentes do Estado durante o regime militar. O texto se referia apenas à “repressão política”, que se limitava aos militares, e não aos “conflitos políticos”, envolvendo os dois lados da luta armada, como havia sido acertado com o ministro Paulo Vanucchi, segundo Jobim relatou a Lula.

O presidente procurou tranquilizar o ministro da Defesa e lhe disse que concordava com a mudança no texto: “Quando voltar eu resolvo isso”. Preocupado com outros assuntos, Lula seguiu viagem para Copenhaguen e não informou Vanucchi sobre a conversa com Jobim.

Neste meio tempo, a versão original do texto foi para a gráfica sem alterações _ e ali começava a crise que levou o ministro da Defesa e os comandantes militares a colocarem seus cargos à disposição após a assinatura do decreto pelo presidente Lula que lançou o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, no dia 21 de dezembro. Jobim achou que tinha sido passado para trás e ficou vendido na história.

Constatada a falha na comunicação entre o presidente e seus ministros, bastava retirar o documento da gráfica e fazer as correções. Mas, como isso não aconteceu, o decreto foi publicado no Diário Oficial e todos sairam de férias, deixando uma bomba relógio debaixo da mesa.

Ao voltar do seu descanso de 11 dias em Salvador e no Guarujá, nesta-segunda-feira, o presidente Lula encontrou o circo armado, agora com o ministro Paulo Vanucchi ameaçando pedir demissão se o texto fosse alterado na parte da Comissão da Verdade, como quer Jobim.

Agora, além dos militares, outros setores da sociedade, em especial a Igreja, os meios de comunicação e os ruralistas também estavam em pé de guerra contra determinados pontos do projeto. Lula agiu rápido e determinou mudanças no texto, tanto na questão da Comissão da Verdade como na parte referente à regulamentação do aborto que tanto incomodou os bispos da CNBB.

Está fora de cogitação qualquer revisão na Lei de Anistia que possa levar ao julgamento de militares envolvidos na repressão e, na questão do aborto, deverá prevalecer a política do governo para o tema, ou seja, limitando-o a um problema de saúde pública quando a vida da mãe corre risco.

O problema todo é que o programa constitui na verdade uma carta de intenções baseada nas conclusões do Congresso Nacional de Direitos Humanos promovido no final de 2008, mas foi apresentado como se fosse uma política de governo, o que não é. Assim como aconteceu com o recente Congresso Nacional de Comunicações (Confecom), as resoluções aprovadas não representam necessariamente a posição do governo e terão que ser debatidas e aprovadas pelo parlamento brasileiro.

“Quando se erra, paga-se o preço”, comentou uma das fontes do governo com quem conversei nesta terça-feira pela manhã. A avaliação que se faz no núcleo do governo é que a crise deve arrefecer nos próximos dias, até aparecer uma nova, mas os prejuízos já aconteceram. Ainda não estão marcadas as conversas do presidente com os ministros da Defesa e dos Direitos Humanos para acertar as mudanças no texto do programa.


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