Na próxima quarta-feira, dia 10, o mundo vai celebrar os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Conversando sobre a data e a evolução dos Direitos Humanos ao longo do período, aqui no retiro espiritual em que me encontro, numa fazenda em Igaratá, interior de São Paulo, Frei Betto lembrou de duas histórias emblemáticas vividas por dois colegas nossos dos Grupos de Oração.
Sei que se trata de tema delicado e polêmico, rejeitado e ainda incompreendido por boa parcela da nossa população. Mas, como integrei por mais de 20 anos, nos tempos de D. Paulo, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, que se dedicava exatamente a defender os Direitos Humanos, não poderia deixar esta data em branco.
Por isso, relato abaixo os dramas humanos que me foram relatados por Frei Betto e qual foi a reação dos parentes das vítimas, apenas para que a gente possa refletir sobre o significado hoje dos Direitos Humanos na nossa convivência diária numa sociedade cada vez mais violenta e desumana.
São dois casos limite, eu sei, em que cada um reage de acordo com seus princípios e formação. Sem entrar no mérito, são exemplares de como cada um de nós enfrenta os seus próprios limites.
Primeira história
A irmã de G., do nosso grupo de São Paulo, saia do supermercado para pegar seu carro, um Fiat, no estacionamento. Ao abrir a porta, foi surpreendida por um sujeito bem vestido apontando-lhe o revólver e obrigando-a a subir no carro. E sumiu com ela.
Depois de ser violentada durante três dias, a vítima foi solta na periferia de São Paulo, pegou um táxi e foi para o hospital, onde chegou toda arrebentada. Algum tempo depois, o criminoso foi preso. Formado em química, já era procurado há tempos exatamente por sequestrar e violentar mulheres de Fiat em estacionamentos de supermercados.
G., que é advogado, foi chamado pelo delegado, que lhe disse:
“Taí o homem, tá na mão da gente. Escolhe o que você quer que a gente faça com ele. Esfolar, torturar, matar, o que voce pedir a gente faz”.
A resposta de G.:
“Se vocês encostarem a mão neste homem, eu vou denunciá-los à Corregedoria de Polícia”.
Segunda história
O irmão de T., nosso colega do grupo de Belo Horizonte, foi passar o fim de ano em sua casa de praia em Guarapari, no Espírito Santo.
Numa noite em que estavam todos reunidos, um assaltante invadiu a casa, rendeu todo mundo e levou tudo o que podia para o carro do irmão de T. , que só pediu calma e ainda o ajudou a carregar os produtos roubados. Entregou a chave do carro e, quando já ia entrar na casa, um dos bandidos voltou e lhe deu um tiro no peito. Morreu na hora.
Tempos depois, T. ficou sabendo que foi um crime quase perfeito. O assaltante era um presidiário que os carcereiros soltavam para fazer assaltos e dividir com eles o que roubava. Ninguém iria desconfiar de alguém que estava preso.
Quando o assaltante foi novamente preso, repetiu-se a cena da história anterior: o delegado chamou T. e lhe perguntou o que queria que fizessem com o assaltante. T. não admitiu que fizessem nenhuma violência contra o preso, achou achou aquilo um absurdo, deu as costas e foi embora.
A casa de praia da família foi doada pelo pai de T. ao vigário de Gaurapari, que ali instalou uma obra social.
Ao terminar de me contar as duas histórias, Frei Betto pergunta:
“Nós que tanto falamos de Ética e Direitos Humanos seríamos capazes disso?”
Deixo a resposta para os leitores do Balaio.
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