Eu sou a travesti da família brasileira!” A frase, debochada mas certeira, traz Rogéria para o centro dos holofotes em Divinas Divas, emocionante documentário sobre a primeira geração de artistas travestis no Brasil. Resume também o espírito festivo das oito divas retratadas no filme dirigido por Leandra Leal, que estreia nesta quinta-feira (22). Rogéria, Valéria, Jane Di Castro, Camille K, Fujika de Holliday, Eloína dos Leopardos, Marquesa e Brigitte de Búzios cantam e dançam desde os anos 1950 e nunca perderam o rebolado, mesmo sob o olhar severo da ditadura. Diferentes entre si, exibem suas personalidades para a câmera sem maquiagem: algumas são românticas e saudosistas, outras casadoiras e conservadoras, e outras escrachadas, cheias de malícia saborosa e humor afiado. Todas, porém, têm histórico semelhante quando se trata de falar do preconceito (o Brasil é o país que mais mata travestis no mundo, como bem ressalta a divulgação) e dos percalços de uma vida nem sempre regada a champanhe e aplausos.
Para compor o filme, Leandra partiu dos espetáculos que via desde pequena no teatro então conduzido por seu avô, Américo Leal. Foi no Rival que ela praticamente cresceu, tendo subido no palco pela primeira vez com meses de idade, no colo da mãe, a atriz Angela Leal. O fuzuê de plumas em corpos esculpidos artificialmente, a cantoria alegre e dramática dos shows burlescos, a balbúrdia colorida no camarim foram parte importante de sua formação. Tanto que, ao reencontro das oito divas, mesclou discretamente sua biografia de menina criada na coxia. Produzido pela Daza Filmes, da própria Leandra, Biônica Filmes e Canal Brasil, e parcialmente financiando via crowdfunding, Divinas Divas foi eleito melhor documentário pela público no Festival do Rio e surpreendeu levando o prêmio de melhor filme, pelo júri popular, no megafestival norte-americano South by Southwest.
Resultado de 400 horas de gravação e anos de preparação, o documentário é um dos pontos altos num ano particularmente especial para Leandra. Não apenas ela consolidou sua maternidade, depois de três anos e meio na fila de adoção, ao lado do marido, Alê Youssef, como participou, como atriz, de inúmeros filmes – a comédia La Vingança, o terror O Rastro, a cinebiografia Bingo: o Rei das Manhãs e outros. Inquieta, prepara uma série sobre adolescentes nos anos 1990, dois outros documentários, um filme de ficção, produz espetáculos no Rival (recentemente encarnou Carmen Miranda na noite do “Rebolado”), participa de shows de amigos como Thiago Petit e milita em causas sociais, como no vídeo em que beija Mariana Ximenes na boca, em ato contra a homofobia.
Como foi sua infância no teatro?
Tanto a coxia, quanto o estúdio eram lugares mágicos para mim. Primeiro porque os amigos da minha mãe que estavam naquele ambiente eram artistas, pessoas muito encantadoras, carinhosas, divertidas, brincalhonas. E muito criativos também, que inventavam jogos, dinâmicas. Eu achava o trabalho da minha mãe tão maneiro que eu ficava muito magoada quando ela não me levava junto. Tenho memórias bem fortes de ficar na coxia esperando a próxima troca dela, de ela me passar tarefas para fazer.
Lembra do momento em que decidiu ser atriz?
Era uma opção em que eu pensava o tempo inteiro. Mas sempre fui muito tímida. O curioso é que meu pai me botou num curso de teatro justamente porque eu estava ficando uma criança muito retraída. E até hoje eu sou assim; quando vou num ambiente novo, fico meio fechada. Depois, fico normal. Mas eu sempre flertava com ser atriz; adorava passar o texto com minha mãe, ler com ela. Claro, também queria ser veterinária, bailarina e até presidente do Brasil. Mas aí entrei para uma companhia de teatro da escola, fiz o espetáculo de fim de ano e vi que curtia muito aquele universo. Enquanto eu estava no Tablado (tradicional escola de teatro no Rio) fiz um teste para o Confissões de Adolescente (série televisiva de 1994). Era um papel bem pequeno, mas me diverti muito, amei fazer. E logo que meu pai morreu eu passei no teste para fazer minha primeira novela (Explode Coração, de 1995). O trabalho foi uma salvação, um lugar que me ajudou a lidar com essa dor muito grande e abriu uma estrada larga, com horizonte, com um objetivo, com um chão. Nesse momento, acho, decidi que seria atriz para o resto da vida. Logo depois fiz A Ostra e o Vento (filme de 1997 dirigido por Walter Lima Jr.), que foi ainda mais incrível. Eu queria viver num set de filmagem. Via que os técnicos saíam da Ostra para fazer outro filme e ficava fascinada, queria fazer igual, pular de um set para o outro. Até hoje o set de locação é para mim uma das coisas mais legais da vida. A dinâmica, a imersão no trabalho…..é muito muito potente essa coisa do cinema de criar uma realidade, criar uma história que é eterna.
Como você concilia sua timidez e a interpretação de papeis intensos, em que você se expõe bastante?
Talvez timidez não seja a palavra. Acho que sou uma pessoa reservada, mais fechada, com a minha turma, meus amigos. Não faço amigos tão facilmente hoje em dia. Meus amigos são da vida, de 20, até 30 anos atrás. É uma característica minha. Mas gosto de papéis que me façam ultrapassar limites. São limites internos meus, mas também de trabalho, de construção. Para mim, trabalho não é uma piração de ego.
Você é muito autocrítica? Como se sente quando se vê?
Sou, bastante. Durante muito tempo não conseguia nem me ver em cena. O primeiro filme que mudou isso foi O Homem que Copiava. Porque tinha uma narrativa que me obrigava a rever minhas cenas para ver se eu estava atingindo o limite da Sílvia, minha personagem. O (diretor) Jorge Furtado ficava me dizendo: “vamos ver se isso aqui funcionou, vamos ver se é assim mesmo”. Foi aí que entendi como me ver era uma ferramenta muito boa para avaliar meu trabalho e melhorar. Você tem de ser generoso consigo mesmo e entender que fez o que era possível fazer. Esse ano vou fazer uma peça. Tô com saudade de fazer teatro. Nos últimos cinco anos não fiz muito teatro por conta da minha produtora de cinema, a Daza. E fiquei fazendo Divinas por muito tempo. Não tinha espaço para entrar numa sala de ensaio. O Divinas foi uma trajetória muito longa, de pesquisa, ensaio para o espetáculo, muitas coisas que eu fui exercitando. Cinema é um lugar em que eu me desdobro em outras funções, de produtora, diretora. No teatro sou atriz. Não me vejo fazendo outras funções nesse lugar.
Você teve uma outra produtora, bem antes.
Era a Três Meninas. Eu tinha 18 anos. A gente montou essa produtora para fazer uma peça, acabou que a gente não fez a peça e começou a produzir shows. Era uma tentativa minha de ocupação do Rival em dias ociosos, que eram segundas e terças. A gente fez shows incríveis. E foi uma escola para mim. Logo em seguida eu produzi duas peças: Impressões do meu Quarto, comigo e a Bianca Gismonti, e Mercadorias do Futuro, um solo do Lirinha. Produzi e dirigi. E dirigi um clipe da Tulipa Ruiz (Sushi) e um do Cordel Encantado (Na Veia).
Então o Divinas é sua primeira experiência como diretora de cinema. Tem vontade de fazer mais?
Se você me perguntasse durante o processo do Divinas eu falaria não. Mas hoje tenho vontade. É um trabalho fenomenal. Sou muito feliz e realizada como atriz, é como me defino. Por isso eu só vou dirigir um filme se for para extrapolar esse lugar. Eu nunca vou dirigir um filme que já tem um roteiro pronto. Na direção quero trabalhar como criadora, senão não vejo sentido. São projetos que vão ser mais arriscados, que vão falar coisas maiores pra mim, coisas que no meu cotidiano como atriz eu não acesso.
No caso do Divinas, você tinha uma vontade específica de abordar esse universo ou a ideia surgiu na convivência com elas?
Esse universo sempre foi muito próximo a mim. Esteticamente também me amarro muito. Mas não tinha noção de que esse seria meu primeiro filme. Quando eu vi o espetáculo pela primeira vez, com elas todas juntas, entendi que ele falava muito sobre o lugar de onde eu vim. Falava muito do Rival, da história do meu avô, da minha infância….tanto que eu filmei muito o Divinas da coxia. Inconscientemente fui decupando o filme dessa forma. Eu me coloco ali, apesar de aparecer só em dois planos. Mas sou eu que faço a narração. E essa foi uma decisão que eu só tomei no último corte. Mesmo. Me interessava falar sobre elas, reconhecer o talento delas, me interessava essa liberdade delas de viver uma vida de acordo com a sua potência. Liberdade é um tema que pauta muito a minha existência, mesmo nas questões políticas, as que eu mais me doo são as que envolvem a liberdade. E eu queria muito um tema que me motivasse a partir desse lugar: de ser artista, cidadã, criadora. Mas eu não imaginava que fosse fazer um documentário, pois tinha muito interesse em trabalhar com ator. Mas o Divinas acaba sendo um documentário também nesse lugar do ator, por partir de um espetáculo.
Elas interpretam, né?
É, elas têm máscaras; mas acho que algumas dessas máscaras foram construídas para elas serem elas mesmas.
Como você vê a forma como as travestis são vistas hoje em comparação com a época em que elas começaram?
Na época delas foi mais difícil, pois era o começo da ditadura. Elas não foram banidas, mas todas se exilaram para fazer a transformação e voltar mudadas. Curiosamente, elas tinham muito mais palco para se apresentar. A cena artística acolhia elas. Elas faziam peças que ficavam em cartaz de terça a domingo. Não eram nem “espetáculos de travestis”, mas musicais grandiosos dos quais elas faziam parte do elenco. Hoje em dia nem pensar. O que a gente vê é ascensão de uma onda conservadora que relega essas artistas a um nicho. E é uma crise não só para elas, mas para o teatro também.
E a luta hoje para serem aceitas na sociedade como um todo?
A palavra travesti não tinha a conotação de todos os preconceitos acumulados de hoje. Travesti tinha um glamour, despertava curiosidade. Hoje, quando se fala em travesti, a pessoa logo pensa em prostituição, porque é muito difícil a inserção de travestis e transsexuais no mercado de trabalho. A verdade é que tem uma nova geração rompendo essa barreira e de novo abrindo caminho para a próxima geração. Tem professoras universitárias, políticas…mas ainda são exceções. O Brasil é o país que mais mata travestis e transsexuais no mundo. O segundo lugar mata menos da metade. E isso só com os números contabilizados. Ainda é uma minoria que sofre muito ódio e preconceito. Na temporada do “Rebolado” do ano passado a gente fez um momento Oscar com a memória de figuras da noite que tinham sido assassinadas. É muito chocante, porque isso não é falado. A imagem do Brasil como o país da alegria e do carnaval é muito enganadora.
Já está com um projeto de filme de ficção?
Tô. Eu demorei quase dez anos para fazer o Divinas, imagina esse filme agora. Na verdade, tenho outros projetos lá na Daza. Dois documentários que eu tô desenvolvendo em paralelo, uma serie também. O Divinas foi muito importante para criar uma confiança na força de trabalho. Desde o momento que eu tive a ideia de fazer, comecei a pesquisar, ler sobre o assunto, falar com elas. Passei pela pesquisa do recorte sociológico, entrevistei outras pessoas. Formatei o projeto. Aí comecei uma saga de captação. A gente não conseguiu nada com a iniciativa privada.
Por causa de preconceito?
Total. Primeiro a questão de gênero, mas depois, não sei se mais forte, a questão da velhice. É algo assim muito punk. E por eu ser uma diretora estreante. É muito difícil fazer o primeiro filme. Cinema é um meio restrito. Mas hoje em dia tem muitas mulheres dirigindo. Ainda é uma minoria, mas tem cada vez mais. Uma está abrindo o caminho para a outra. Uma está inspirando a outra. O Divinas é sobre aquelas oito artistas, mas também sobre a minha história com elas. Eu ainda sou de uma geração em que a figura central não é uma mulher, e que a mulher tem de ser uma figura forte, pra romper com tudo. E tendo de ter características masculinas para estar nesse lugar. O Divinas é um filme totalmente feminino. Fala de oito artistas e da relação de uma menina com elas; um amigo me falou que, para elas, ser travesti é uma declaração de amor à mulher. E eu identifiquei muito isso nelas, de terem a mulher num altar. A mãe ou a figura feminina que as acolheu durante a vida foi importante. Os ícones femininos, elas homenageiam no corpo, esculpem essas imagens à sua semelhança.
O filme foi superbem internacionalmente, né?
Tá sendo muito surpreendente, não é papinho não. Eu fiz o Divinas querendo muito ser honesta com as oito personagens. E eu tinha a consciência da importância de um filme como esse nesse momento no Brasil. Então eu fiz muito pensando na audiência brasileira. Tinha muita dúvida de como o filme ia acontecer lá fora. Filme falado em português é difícil. Ainda é um documentário, de quase duas horas, e que fala de uma realidade brasileira pouquíssimo conhecida lá fora. Quando a gente entrou no South by Southest a impressão foi de algo fenomenal. Não é um festival LGBT; eu queria fazer esses festivais sem esse recorte. Pois quem é desse universo já abre o coração de imediato. Ouvi uma frase que para mim foi incrível, de um amigo hetero: “cara, nunca mais vou olhar para um travesti da forma como eu olhava”. Isso para mim foi a maior conquista do filme. Lá no South by Southwest, que também é festival de música e tecnologia – e eu vejo o Divinas como também como um musical -, as sessões estavam lotadas, os debates foram incríveis, eu tava me divertindo. E teve essa coincidência de timing com o Trump, dessa onda conservadora que não é só no Brasil. É curioso, porque se eu tivesse ido para lá antes talvez a recepção tivesse sido diferente. Bateria em outro lugar. O prêmio foi tão inesperado que eu não estava lá, tinha voltado um dia antes. A gente tava concorrendo com filmes do mundo inteiro, inclusive de ficção, porque era tudo misturado…achei que americano ia votar em americano. E foi demais. Fomos também pro Hot Docs, no Canadá, que é um festival focado no documentário, o maior nesse gênero das Américas.
E esse monte de filmes que você fez como atriz?
Foi um ano produtivo. E são Filmes completamente diferentes entre si. Comédia, como o La Vingança, é o mais difícil de fazer, por causa do timing. Mas curto bastante. Eu também adoro filme de terror, é um dos gêneros que eu mais curto assistir. Como passatempo mesmo, para desopilar. Tenho os trashes dos anos 1980 guardados no coração: é Chucky, Freddy Krueger, o Jason…eu adoro. Mas O Rastro é um terror mais psicológico e bem brasileiro. Começa com o sistema de saúde pública no Brasil. Quando a Malu, que é a produtora, me falou desse mote, eu disse, genial, que isso já é um filme de terror! (risos). Tem muita coisa política, um lado tropical, flerta com o sobrenatural….curti muito fazer. E a produtora é a mesma do Mato Sem Cachorro (comédia de 2013, em que ela atuou. A produtora é a Mixer). É uma galera jovem, muito competente, que quer fazer filme de gênero brasileiro, que quer fazer bem feito, atingir o público. Acho maneiro isso.
E sua atuação política?
Bom, minha mãe sempre foi muito militante. Até hoje, o tempo inteiro. No twitter ela fala como se fosse para uma multidão num comício. E ela sempre usou o lugar de visibilidade que ela tem para levantar ideias. Não que a sua ideia seja a verdade, ela sempre passou isso para mim, mas você pode levantar ideias que não estão reverberando, dar voz a questões que precisam ser faladas. Cresci em meio a reuniões políticas, os amigos dela são muito politizados. Lembro de conviver com Dias Gomes, Darcy Ribeiro e outros. Então, para mim, é uma coisa natural discutir e ler sobre política. Eu era do grêmio na escola, na minha adolescência. Gosto de poder falar sobre política numa entrevista, numa revista. É um poder que você tem.
Lembra quando você encontrou Fidel Castro em Cuba?
Lembro bem, eu tinha sete anos. Minha mãe me contava histórias da revolução cubana como se fossem histórias para criança. Falava dos tubarões em volta do Granma, do heroísmo. Foi muito marcante, tipo, gente, ele é real! Depois a gente voltou para lá quando eu tinha 24.
Você encontrou o García Márquez também.
Sim! Queria ter tirado uma foto com ele! O Cem Anos de Solidão tá no meu top 5. Acho que eu já li umas quatro vezes. Amo, amo. Li vários outros livros dele também. Nossa produtora Daza tem esse nome por causa da Fermina Daza, do Amor nos Tempos de Cólera.
Que causas são mais importantes para você?
Sou feminista e defendo a causa LGBT. Esse episódio do José Mayer foi icônico. Muitos o consideram um herói. E muitos consideram um ato normal. O poder educacional do pedido de desculpas dele é gigantesco. Essa tragédia que é o machismo se revela na violência física e emocional desde que a gente nasce. É uma cultura muito enraizada, que eu também vejo em mim, E só vai ser revertida com educação. A crise hoje é do masculino. A mulher tem muito claro o que ela quer: igualdade. Nada além disso. E ela tem muito claro o lugar onde está agora. O homem meio que não sabe para onde está indo, como vai se comportar agora, o que esta fazendo. O machismo é uma tragédia para a mulher, mais do que tudo, mas acho que também é um fardo para o homem.
Como você vê o racismo no Brasil, especialmente agora, que tem uma filha negra?
O racismo tá na nossa pauta há muito tempo, mas no Brasil a gente não se vê como racista. Tem aquela pesquisa que diz que 90% das pessoas acha que o Brasil é um país racista, mas só 3% se reconhecem como racistas. Gente, é isso. A gente se conhece muito pouco. E a gente não se reconhece nas nossas falhas. O Brasil é muito racista. É bizarro. Eu sempre fui muito sensível a essa questão, e com a Júlia isso foi muito acelerado. Amigas minhas negras sentaram comigo e fizeram relatos de como isso se manifestava no dia a dia. Eu estava reparando no comportamento do homem negro bem sucedido. Como os movimentos são suaves, contidos. Como o Obama. Se não for assim, ele sofre a possibilidade real de morrer. Um menino negro de sete anos correndo sem camisa na rua vai ser perseguido, o menino branco não. Minha preocupação é fortalecer minha filha na identidade dela, a autoestima dela e que ela seja uma agente transformadora disso. Eu sei que ela, de certa forma, vai ser privilegiada nessa equação e que ela vai ter força para encarar isso. É um passo de cada vez. Vai comprar uma boneca negra que não seja de pano. É muito difícil achar. São 5% de bonecas negras no mercado, num país com 57% da população negra e parda. É uma loucura. Não existe shampoo para criança negra de menos de dois anos. Pedi para um amigo trazer de Nova York. É muito louco, nos EUA eles tem gigantescos problemas raciais, só que eles já passaram pela discussão sobre cotas, já elegeram um presidente negro. E isso com 11% da população negra. Como a gente ainda está nesse lugar? O racismo brasileiro é tão inconsciente que se a pessoa vir um negro de terno acha logo que é um motorista e não um executivo.
Como imagina o Brasil daqui a um ano?
Acho que vai demorar uns dez anos pra gente sair desse buraco. Mas tenho esperança, é uma tecla que eu tô batendo o tempo inteiro, que a gente vai ter uma mudança nas Câmaras. Desde 2013 a chama política acendeu de uma forma como nunca acendeu na minha geração. Eu acho que mais jovens vão se candidatar. Mas não sei como vai ficar a reforma política, se os partidos pequenos vão existir ou não. Então não sei se essas pessoas vão conseguir passar pelo crivo. Minha geração foi muito pautada pelo Terceiro Setor. Acho que essa geração abaixo tá entendendo que precisa de representatividade política para mexer no jogo, senão… O primeiro ministro do Canadá tem, sei lá, uns 40 anos. A gente precisa de uma renovação. E precisa de representatividade política para a mulher. Pra não passar coisas como esse projeto de lei que prevê punição para a suposta falsa acusação de estupro. São leis feitas por homens. Tem de ter mulher lá, no legislativo.
E a música?
Sou uma atriz que canta. Sofro muito pra cantar. Mas a música tem um papel muito importante na minha vida, pra criar, pra viajar. Acho muito bom sair com fone de ouvido pela rua. Tem de prestar atenção, mas sou meio lesa. É uma experiência fenomenal andar de bicicleta com fone. É perigoso, eu sei. Mas eu adoro.
De onde vem tanta inquietação? Como você organiza sua vida?
Agora tá bem difícil, dei até uma bloqueada. Tô desde setembro sem trabalhar como atriz. Quando a Julia chegou eu tava no meio de uma série e de um filme, então demorou pra eu conseguir me desvincular de tudo, e aí depois disso, só o Divinas, que era um outro filho. A Julia chegou duas semanas antes do espetáculo no Rival inaugurar. Foi um ano com muita coisa. E agora fiquei muito focada nela e no Divinas. O papel de mãe demorou tanto para se realizar, a gente ficou na fila três anos e meio. Quando tudo aconteceu, no ano passado, me deu uma vontade de viver só isso e entender o que eu ia fazer adiante.Tô escrevendo projetos, mas a passo de formiga. Nem sei como vai ser agora que a minha licença maternidade na Globo acabou.
Você tem acompanhado o fenômeno de series na TV?
Depois que a Julia chegou, vejo muita coisa na internet. Sou viciada em series, tipo Game of Thrones. Vi agora 13 Reasons Why e comecei a ver The Affair. Tenho um projeto de série sobre adolescentes nos anos 1990. A gente ganhou um edital pela Daza. Nada a ver com o Confissões, é mais pesado.
E você escreve?
Eu escrevia muito quando era mais nova. Agora escrevo só diário e projetos. Não acredito que eu seja boa em tudo, então gosto de trabalhar em roteiros com a minha sócia na Daza, a Carol Benjamin, que me complementa em tudo. Ou com outras pessoas, nunca sozinha. Escrevo mais diálogo, talvez por ser atriz. E sou ótima para criar a história do personagem, desde a infância.
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