O olhar desconfiado trai a ascendência mineira. O jeito calmo e pausado de quem ouve mais do que fala demonstra a profissão. A voz educada… Bem, foi educada de fato. Psiquiatra de formação e psicanalista por opção, Luiz Pinheiro, o Pi, sempre compôs e, para cantar melhor suas músicas, estudou canto. O resultado foi Decantar, espetáculo de 2005 em que atuou mais como intérprete, repetido inúmeras vezes em diversos palcos e registrado em vídeo. Agora, Luiz Pinheiro lança o CD Decompor – Canções de Subsolo, que inclui composições suas de várias épocas. Nascido em Juiz de Fora, filho de mãe esteticista e de um chofer de táxi criptocomunista, que batizou o filho Luiz Carlos em homenagem a Prestes, Pi mudou-se com a família para Ourinhos, no interior paulista, onde o futuro de Luiz Pinheiro se desenhou.

Lá, Pi conheceu Hermelino Neder, Vânia Bastos e Gil Jardim, mais tarde integrantes destacados da chamada Vanguarda Paulista. Hermelino, com o Santos Football Music. Vânia, com a banda Isca de Polícia, de Itamar Assumpção, e considerada “A” intérprete de Arrigo Barnabé. E Gil como flautista do Grupo Papavento, frequentador do Teatro Lira Paulistana e hoje diretor artístico e regente titular da Orquestra de Câmara da Universidade de São Paulo (OCAM). Pi e Hermelino formaram uma parceria ainda em pé. A primeira composição gravada da dupla foi Kitsch, do primeiro disco solo de Vânia. Pi foi vocalista nos primeiros shows do Santos FM, uma composição sua, Façanhas, deu título ao disco de 1992 de Arrigo e, ao lado de Hermê, foi garimpado por Cássia Eller, recém-chegada de Brasília, de passagem por São Paulo e a caminho do sucesso no Rio – o disco Cássia Secreta (2007) traz as músicas da dupla que a cantora gravou e que costumava cantar em seus shows. Decompor tem como subtítulo Canções de Subsolo, uma referência ao livro Notas do Subterrâneo, de Dostoiévski, que para Pi traz “uma prefiguração das ideias de Freud”. No disco, encontramos ecos de Lupicínio Rodrigues, Adelino Moreira, Jards Macalé, Walter Franco e Vicente Celestino. Não é à toa que Pi incluiu no CD, a música Haja o que Houver, de Fernando César e Nazareno de Brito, gravada pela dramática Lana Bittencourt nos anos 1950 – além de Brasa Dormida, do carioca Marcelo, dos anos 1980.

As outras 13 canções do disco têm sua assinatura com vários parceiros. O som surgiu do feliz encontro entre Pi e o guitarrista Valter Gomes, responsável pela sonoridade pé no chão que o trabalho sugere. O cardápio é variado. Há desde Dor, composta ainda nos tempos da faculdade de Medicina, à recente Do Seu Lado; a amiga Vanessa Bumagny canta e é parceira no disco, Hermelino limitou-se a tocar violão e a Praça Roosevelt, cenário das Satyricas Musicais criadas por Pi entre outros, aparece duas vezes, em Phedra de Córdoba (nome de uma atriz transexual cubana idolatrada na praça) e no iê-iê-iê As Impurezas da Rua sem Véu (Praça Roosevelt), uma espécie de bônus track. E pode-se dizer que, como psicanalista e compositor, Pi vale por mais de dois. Digamos que por volta de 3,1415926


Comentários

Uma resposta para “Divas e divãs”

  1. Avatar de Clovis Florentino da Silva
    Clovis Florentino da Silva

    Tive a oportunidade de trabalhar com este grande profissional no extinto Instituto de Psiquiatria de Guarlhos, trata-se de um ser humano admirável SUCESSO.

    UM FORTE ABRAÇO CLÓVIS.

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