Doce, macia e gostosa…

Cruzei o oceano em direção ao Porto. O outono já estava de braços abertos, pronto para beijar o meu estômago. Estação bem diferenciada para cozinhar e comer. Como cozinheiro, o outono tem um brilho mais introspectivo, como Autumn Sonata ou Sonata de Outono, de Bergman. Identifico-me com a profundidade psicológica de cada obra desse grande mestre. Ah! Se meus pratos fossem obras parecidas. Enquanto isso não acontece, recorro às minhas sessões de psicanálise.

Participei do Oporto Wine Tourism Forum, onde tive a oportunidade de falar sobre o Kinoshita Gourmet Tour 2012 para o Japão, que vai rolar em outubro, a melhor época para os amantes da simplicidade e do sabor real de cada produto realçado pelo seu próprio sabor, nada mais! Kappo cuisine! Depois da minha apresentação, já me avisaram que os produtos tinham acabado de chegar para o almoço no nobre Salão Árabe. Impressionante como cada detalhe é feito à mão. Silêncio… Uma pausa de impacto! Ela merece, já estou sentindo o cheiro que não cheira, mas que cheira na imaginação como a deliciosa masturbação.

[nggallery id=15870]

Mas agora quero detalhar como foi a aventura para a criação do prato servido. Travessia que liga Vila Nova de Gaia ao Porto. Tenho de dizer emocionado: PQP, colírio para os meus olhos por ter sido a porta de entrada para a Europa há uns 20 poucos anos, quando fui trabalhar em Barcelona. Voltando à estrada, a viagem continua em direção ao mercado de Angeiras, mais ao norte do Porto, encostado a Galícia. Amanhecendo, tomamos café para entrar no templo e, com todo o respeito, os seres marinhos expostos vivos para nos alimentar: percebes, centolhas, navarras… E a TV Portuguesa não desgrudava, filmava cada movimento.

Com olhar panorâmico, decidi levar as lulas translúcidas, almejas firmes e excitadas, sardinhas brilhantes, como meus dedos, que brilharam depois que me lambuzei com as almejas! Vamos para a protagonista. Saltitava tão elegante quando era tocada, havia mais de cem delas ao meu bel prazer, uma pulava mais que as outras, pedindo para libertar-se! Vou contar um segredo, quem vai libertá-las são os convidados. Queridos leitores! Já deu para sentir o clímax?

Elas estão todas na minha frente, já estou imaginando arrancando suavemente a sua delicada cabeça como em um ato de haraquiri, logo tirando lentamente cada camada de sua proteção. Sua pele lisa de carne doce, quando toca na língua, é uma delícia!

Nova rota: Mercado do Bolhão, no centro do Porto. Encontramos doce nabo, tomate coração de boi, que é muito perfumado, pepino e quiabo. E os caras continuam nos seguindo, apontando a lente em nossa direção. Ainda bem que as imagens não entravam ao vivo. Só falávamos “m…”, quando tocávamos cada produto! Era muita qualidade! Vamos para a cozinha, atravessamos todo o Salão Árabe. Meu Deus! Deparei-me com uma Steinway de calda superlonga. Ela chamou-me, alisei sua suave textura por fora, abri com muito cuidado, mostrou-me com vontade suas teclas brancas com seus sustenidos e bemóis pretinhos. Permitiu-me um dedo esquerdo no baixo e três dedos direito no acorde de dó fundamental, os dedos afundaram e, assim que eu pressionei, ela pressionava…  Sussurrou , pirei!!! Que linda voz!!!

Show time! Montaram uma bancada para eu compor o prato bem na mira dos convidados, como no balcão do nosso Kinoshita. Modo de fazer: marinei as sardinhas que ficaram ao lado das almejas sakamushi (ao vapor com saquê) e das lulas levemente maçaricadas. Vamos para os elementos da terra: um dadinho de doce nabo, miniquiabo do jeito que veio à terra e fios de pepino bem ao lado do tomate. Para finalizar, a protagonista ficou dormindo no saquê por uns três minutos e, para arrematar, um belo molho cremoso de missô e vinagre de arroz. O maître deu o start. Então, começamos a posicioná-la bem no meio do prato, quando a brigada começou a distribuir, ouvíamos alguns gritinhos. Quem será ela?

Se você entrar no YouTube (http://bit.ly/Ado3QJ),  vai ter o prazer de conhecê-la em pleno movimento e imaginar o gosto doce na sua boca! Vai babar por ela e, se por um acaso escorrer lágrimas, não se preocupe. É normal as pessoas se emocionarem com ela. Doce, macia e gostosa: ela é a gamba.

Arigato gozaimashita!

*Kappo Cuisine é o conceito que Tsuyoshi Murakami trouxe ao Brasil e tem como base a transparência, o cozinhar em frente ao cliente e o uso de alimentos sazonais. Murakami é sócio e chef do restaurante Kinoshita, em São Paulo. murakami@restaurantekinoshita.com.br


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.