Jean-Pierre e Luc Dardenne sabem como conduzir um filme que trate de embates morais. Em Dois Dias, Uma Noite, eles exploram uma nova configuração da classe trabalhadora, que na cidade de Liège, interior da França, não mais sofre com as más condições de trabalho, mas que nem por isso, não se encontra em outras situações de sofrimento.
A trama conta a saga de Sandra (Marion Cotillard), trabalhadora de uma empresa de painéis solares, que se recupera da depressão, e tenta manter o seu emprego. No entanto, Sandra está numa situação desfavorável: para que ela continue trabalhando, precisa de que seus colegas abdiquem do bônus salarial de mil euros que a empresa oferece. Pois a condição imposta pela gerência é a seguinte: se Sandra ficar, não é possível pagar bônus para os empregados. Como se não bastasse, ela tem o curto prazo de dois dias e uma noite até que a votação, que definirá seu destino, seja feita.
A partir daí, Sandra vai de porta em porta explicar sua situação e tentar convencer cada companheiro de trabalho. Com todo o suspense criado a cada abordagem, o filme ganha um caráter de thriller, como quando os colegas não se encontram em casa, ou ainda quando estão indecisos e preferem dar uma resposta no dia da votação.
As reações ao seu pedido são as mais diversas: complacência, violência, apoio e desdenho. A cada casa que chega, surge uma realidade diferente, e é então que ela se depara com as necessidades dos outros. Há o caso do pai que precisa do bônus para pagar a faculdade da filha, há outro que está com uma dívida para pagar, outro que quer reformar a casa etc.
Portanto, uma das principais questões levantadas pelo filme é a solidariedade e qual o seu peso na classe trabalhadora, numa sociedade individualista. Essa ação tampouco se dirige apenas dos companheiros de trabalho em relação a Sandra, mas o inverso também. Pois ela também terá sua solidariedade posta a prova quando seus colegas expõem suas condições pessoais para precisarem do dinheiro extra, ou como em um caso específico, de temer votar a favor dela, e ter seu contrato de trabalho não renovado.
Marion Cotillard desempenha uma performance visceral, no papel de uma mulher de psicológico debilitado, que ainda tem que ser mãe e esposa, e batalhar igualmente pelo casamento e pelo emprego. Os dois dias e uma noite são um tour de force da personagem e da atriz que passa por situações duras que mexem com questões como dignidade e orgulho. Ela reluta porque não quer expor sua vida pessoal, e não quer que os outros sintam dó dela, como ela mesma diz em certa parte do filme: “vou parecer uma mendiga”.
Para trazer equilíbrio ao caos na vida de Sandra, ela tem ao seu lado o marido Manu, que a toda hora a incentiva e insisti para que ela não desista. Interpretado pelo ator belga, Fabrizio Rongione, numa convincente atuação. O filme não trata da figura masculina forte e da feminina frágil, mas mostra que uma relação se baseia em cumplicidade e apoio.
Há momentos tristes, outros engraçados, sem nunca parecerem artificiais. O filme poderia se perder e se tornar um melodrama, mas a direção dos irmãos Dardenne tem uma dosagem balanceada para que nada ultrapasse do limite. Também, a câmera que observa de perto a saga de Sandra, dá um tom documental a Dois Dias, Uma Noite.
Ao tratar dos esquemas mesquinhos que empresas envolvem seus empregados, colocando um contra o outro, ou de casos de empregados adoecidos que são considerados inválidos e, portanto, descartáveis, o filme mostra que a pressão psicológica no mundo do trabalho não mudou nada.
No entanto, no final, há certa esperança: ainda que as empresas tentem, numa sociedade individualista, nem todos decidem pelo benefício próprio.
Veja o trailer abaixo:
Dois Dias, Uma Noite estreia nos cinemas brasileiros no dia 5 de fevereiro.
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